Guerras afetam corte de juros, diz FMI

O Estado de S. Paulo

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) emitiu um alerta de que a região da América Latina e do Caribe deve manter “um equilíbrio cuidadoso” na dosagem de corte de juros frente ao aumento dos riscos externos, mas também por pressões domésticas.

 

Além do aumento das tensões geopolíticas, com as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, uma nova onda de turbulência nos mercados financeiros mundiais e pressões inflacionárias dentro e fora de casa, impulsionadas pela volatilidade nos preços das commodities, reforçam a necessidade de cautela na gestão dos juros, segundo relatório divulgado ontem pela instituição, às margens de sua reunião anual, em Marrakesh, no Marrocos.

 

“A flexibilização prudente da política monetária continuará a exigir um equilíbrio cuidadoso entre colocar a inflação em uma trajetória descendente duradoura e minimizar o risco de um período prolongado de baixo crescimento”, diz o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, Rodrigo Valdés, no relatório.

 

Depois de uma forte recuperação com o fim da pandemia, o FMI espera que o crescimento da América Latina desacelere neste ano para 2,3%, ante os 4,1% registrados em 2022. Ainda assim, o Fundo demonstra otimismo e melhorou suas projeções para este e o próximo exercícios, quando a região deve manter o mesmo patamar de expansão.

 

No caso do Brasil, a expectativa é de um maior ritmo de expansão, de 3,1% neste ano, contra projeção anterior de 2,1%. Em 2022, o País cresceu 2,9%.

 

“A desaceleração reflete políticas mais restritivas para conter a inflação e uma conjuntura externa menos favorável, incluindo o crescimento mais lento dos parceiros comerciais, o aperto das condições de financiamento externo e a queda de preços das commodities”, afirma Valdés.

 

Demanda fraca

 

Apesar do aviso sobre os riscos de um eventual repique inflacionário, o Fundo manteve a previsão de queda da inflação na região neste ano, para 5%, em média, sem considerar a Argentina e a Venezuela, ante os 7,8% de 2022. Para 2024, a expectativa é de que o índice de custo de vida na América Latina e no Caribe caia ainda mais, para 3,6%.

 

De acordo com o FMI, devem contribuir para esse resultado o enfraquecimento da demanda local e externa, o afrouxamento das restrições sobre a oferta mundial e os efeitos defasados da valorização das moedas locais em alguns países.

 

A economia da região ainda deve ser afetada, conforme o FMI, pela ocorrência de secas e inundações provocadas pelo fenômeno climático El Niño. Embora o relatório do Fundo não mencione diretamente o Brasil neste caso, economistas acreditam que o El Niño tende a ter um efeito inflacionário, mas não a ponto de comprometer a queda da taxa básica de juros (Selic) à frente.

 

Ministro da Fazenda, é advogado, mestre em Economia e doutor em filosofia; foi prefeito de São Paulo e ministro da Educação

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vê o ritmo de cortes da taxa básica de juros (Selic) mantido em 0,5 ponto porcentual por mais um tempo, ainda que pese um agravamento do cenário internacional com o conflito no Oriente Médio. “O passo dos cortes vai se manter pelo menos por algum tempo, porque há espaço para isso. O nosso juro real ainda está muito elevado”, disse Haddad, em entrevista ao Estadão/Broadcast em Marrakesh, no Marrocos, onde participa das reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

 

A avaliação do ministro vem na esteira da sinalização do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, em encontro realizada com investidores às margens do evento, de que as chances de desacelerar as reduções de juros são maiores do que as de acelerar.

 

Quanto ao cenário externo, o ministro afirma que o potencial de danos do conflito Palestina-Israel é “enorme” e que o mundo está preocupado. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Como foi sua estreia nesses encontros em meio ao que o senhor chamou de “policrise”, cenário obscurecido pelo conflito no Oriente Médio?

 

A repercussão da guerra da Ucrânia na economia global já está quantificada pelo tempo decorrido e porque os impactos já são mensuráveis. No caso do conflito recente, Palestina-Israel, obviamente isso tudo ainda não está diagnosticado. Sabe-se que o potencial de causar danos é enorme, mas ainda não é possível saber a extensão. Tem havido um grande esforço da diplomacia em busca de uma solução. Mas, qualquer que seja o cenário, vai ter algum impacto.

 

Esse cenário de juros elevados e tensões geopolíticas certamente devem afetar o Brasil. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sinalizou que as chances de desacelerar o corte da Selic são maiores do que as de acelerar. O senhor já conversou com ele? Nós endereçamos uma série de medidas para o Congresso Nacional, visando resolver distorções graves do nosso sistema tributário para que o arcabouço fiscal ganhe tração no primeiro ano. O desenho do arcabouço fiscal já é suficientemente robusto para afastar qualquer risco de trajetória da dívida. Contudo, nós entendemos que, se acelerarmos o passo do ajuste, no contexto global atual, isso vai servir de blindagem para a economia brasileira, que tem um potencial enorme de crescimento pelas vantagens competitivas geopolíticas e ambientais. Nossa transição ecológica pode ser promotora de desenvolvimento como nenhum outro país, porque nós podemos baixar o preço da energia pela transição.

 

O Brasil, no governo Lula, está reinserido no mercado internacional e isso embute ônus e bônus. Como será afetado por um eventual quadro de piora global? Vai depender. Se nós não tivéssemos uma agenda, eu diria para você, pode ser afetado fortemente. Mas se a nossa agenda econômica continuar avançando no Congresso, e até aqui, sobretudo no primeiro semestre, sinalizou uma disposição do Legislativo em corrigir essas distorções, se nós terminarmos o ano com a reforma tributária promulgada e com as medidas fiscais aprovadas, eu penso que o nosso horizonte é bom.

 

Isso blindaria um impacto no ritmo do corte de juros? Você protege. Quando você toma uma decisão, indica um caminho. Quando nós acumulamos reservas cambiais, quando todo mundo era contra, a medida se provou acertada, porque, quando veio a crise de 2008, nós estávamos blindados.

 

É possível manter o ritmo atual de corte de juros?

 

Eu acredito que o passo dos cortes vai se manter pelo menos por algum tempo, porque há espaço para isso. O nosso juro real ainda está muito elevado. Ele é o primeiro ou o segundo juro real mais elevado do mundo.

 

Mas tem o desafio da aprovação dos fundos offshore. Esse tema está realmente maduro para ser votado na semana que vem?

 

Está maduro, totalmente.

 

Os preços do petróleo já subiram 5% desde o início do conflito no Oriente Médio. Isso vai afetar, em maior ou menor grau, a inflação do País e a Petrobras. O mercado tem más lembranças de quando os aumentos dos preços de energia foram represados no Brasil, inclusive na Petrobras. Como fica isso?

 

A Petrobras está tendo uma valorização das suas ações inédita. Eu não estou vendo a contradição. A Petrobras está fazendo uma política mais sensata, em que não há uma política diária de preço à luz do que vai acontecendo.

 

Se o preço do petróleo subir muito, isso vai ser repassado num horizonte…

 

A Petrobras vai fazer o que vem fazendo desde o começo do ano. Nós já tivemos preços até mais altos do que o de hoje.

 

O FMI melhorou a projeção para o crescimento do Brasil para 3,1%. O Brasil pode crescer mais neste ano? Você tem fatos novos aí. Mas eu acredito que nós podemos ter ainda um quarto trimestre interessante, que pode puxar ainda o crescimento em alguma medida. Mas eu acredito que mais do que 3% está contratado. Não vejo risco de ser menos. (O Estado de S. Paulo/Aline Bronzati)