Gigantes da tecnologia mantém poder na corrida pela inteligência artificial

O Estado de S. Paulo

 

Em 2021, um grupo de engenheiros abandonou a OpenAI preocupado com o fato de a empresa pioneira de inteligência artificial (IA) ter se concentrado demais em ganhar dinheiro. Eles formaram a Anthropic, uma corporação de interesse público dedicada a criar uma IA responsável. Nesta semana, a Anthropic se uniu a um parceiro corporativo ao anunciar um acordo com a Amazon no valor de até US$ 4 bilhões (por volta de R$ 20,6 bilhões).

 

O acordo ressalta como a necessidade insaciável de poder de computação da IA está empurrando até mesmo as startups mais anticorporativas para os braços das big techs. Antes de a Anthropic anunciar a Amazon como seu parceiro de nuvem “preferencial”, ela se gabava, em fevereiro, de ter um relacionamento semelhante com o Google.

 

Os porta-vozes de ambas as empresas disseram que o relacionamento entre o Google e a Anthropic não mudou. O boom da IA é visto como a próxima revolução na tecnologia, com o potencial de catapultar uma nova onda de startups para a estratosfera do Vale do Silício. Mas, em vez de quebrar o domínio de uma década das big techs sobre a economia da internet, o boom da IA até agora parece estar fazendo o jogo dessas gigantes.

 

Os armazéns de poderosos chips de computador das grandes empresas de tecnologia (os data centers) são necessários para treinar os complexos algoritmos por trás dos chatbots de IA, dando à Amazon, ao Google e à Microsoft uma imensa influência sobre o mercado. E, embora empresas iniciantes como a Anthropic possam ter criado uma tecnologia inovadora e poderosa, elas ainda precisam do dinheiro e dos recursos de computação em nuvem das big techs para fazêla funcionar.

 

“Para criar IA em qualquer tipo de escala significativa, qualquer desenvolvedor terá dependências essenciais de recursos que estão concentrados em grande parte em apenas algumas empresas”, disse Sarah Myers West, diretora administrativa do AI Now Institute, que pesquisa os efeitos da IA na sociedade. “Não há realmente um caminho para sair disso.”

 

Demanda

 

O treinamento de sistemas de IA generativos, como chatbots e geradores de imagens, é extremamente caro. A tecnologia por trás deles precisa processar trilhões de palavras e imagens antes de poder produzir textos e imagens realistas. Esse trabalho exige milhares de chips de computador especializados instalados em enormes data centers que consomem enormes quantidades de energia. E a demanda só está aumentando.

 

A Virgínia do Norte (a região mais importante do mundo para armazéns de computadores) aumentou em 20% sua capacidade total em 2022, de acordo com a empresa imobiliária CBRE. Ainda assim, as taxas de vacância nos data centers da região eram inferiores a 2% no início deste ano.

 

Em janeiro, a OpenAI, a startup que deu início ao boom da IA ao lançar o ChatGPT no ano passado, anunciou um acordo multibilionário semelhante com a Microsoft, dando à gigante da tecnologia acesso profundo à nova tecnologia e permitindo que ela lance um chatbot próprio.

 

O acordo da Anthropic com a Amazon não vincula as duas empresas tão intimamente, mas permite que os engenheiros da Amazon usem os modelos da Anthropic em seus produtos, disse a Amazon em um comunicado à imprensa anunciando o acordo.

 

A presidente da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), Lina Khan, disse que a agência está observando atentamente os sinais de comportamento anticompetitivo. Em março, a FTC abriu uma investigação sobre os provedores de computação em nuvem, perguntando se os produtos de IA dependem do provedor de nuvem em que foram criados. Os órgãos reguladores de outros lugares também estão observando. Os escritórios da Nvidia, que fabrica os chips de computador e o software necessários para treinar grandes modelos de linguagem, foram alvos de operação das autoridades francesas de concorrência na quarta-feira, segundo o Wall Street Journal.

 

“Precisamos estar muito atentos para garantir que esse não seja apenas mais um local para as grandes empresas se tornarem maiores e realmente esmagarem seus rivais”, disse Khan na Spring Antitrust Enforcers Summit, em março. “Quando temos esses momentos de transição tecnológica, vemos que as empresas estabelecidas às vezes precisam recorrer a táticas anticompetitivas para proteger seus fossos e seu domínio.”

 

Pouca concorrência

 

Russell Wald, diretor de políticas do Institute for Human Centered AI da Universidade de Stanford, EUA, disse que a concorrência existe, mas somente entre o pequeno grupo de participantes com acesso ao poder de computação. Wald, que organiza um programa para ensinar funcionários do Congresso sobre IA, teme que algumas propostas regulatórias possam piorar a situação: por exemplo, segundo ele, exigir que as empresas tenham seus modelos de IA licenciados pelo governo poderia ajudar os grandes players e dificultar a concorrência de empresas iniciantes menores.

 

No entanto, a capacidade de levar a tecnologia de IA aos clientes por meio de produtos existentes é uma vantagem fundamental, disse Myers West. O ChatGPT ganhou popularidade por meio do boca a boca, publicações em mídias sociais e cobertura de notícias, mas depois de apenas alguns meses já estava perdendo usuários, de acordo com um relatório da empresa de monitoramento de tráfego da Web SimilarWeb. As grandes empresas de tecnologia têm bilhões de usuários chegando até elas todos os dias. “A propriedade do ecossistema é importante”, disse West. As parcerias com as grandes empresas de tecnologia geraram angústia entre alguns funcionários e pesquisadores de IA, disse Manoj Vekaria, engenheiro de software em Seattle, EUA. Laboratórios de IA como o OpenAI e o Anthropic podem alegar independência, disse ele, mas é difícil prever quanto tempo isso durará.

 

“E se a liderança mudar? E se a Amazon tiver um novo CEO? E se a Anthropic tiver um novo CEO?”, indagou Vekaria. “Quando você aceita o dinheiro deles, está vendendo sua alma.”

 

Por enquanto, a Anthropic parece estar tentando manter suas opções em aberto. No comunicado anunciando o acordo, a Amazon disse que “a Anthropic planeja executar a maioria de suas cargas de trabalho na AWS”.

 

Mas, apesar de mudar seu status de “preferencial”, a Anthropic ainda está usando principalmente os servidores do Google, de acordo com uma pessoa familiarizada com a configuração de computação em nuvem da empresa, que falou sob condição de anonimato para discutir assuntos internos. (O Estado de S. Paulo/Gerrit de Vyncck, tradução de Alice Labate)