Puxada por combustível, prévia da inflação em setembro chega a 0,35%

O Estado de S. Paulo 

 

Na ata de sua última reunião, divulgada ontem, o Copom afirma ser “pouco provável” o aumento do ritmo de redução da taxa básica de juros. Analistas preveem mais dois cortes, de 0,5 ponto cada, até o fim do ano. Com isso, a Selic encerraria 2023 em 11,75%.

 

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central considera “pouco provável” um aumento no ritmo de cortes da Selic, tendo como base o atual passo de 0,5 ponto porcentual, e reforça a necessidade de manter uma política monetária ainda contracionista pelo “horizonte relevante”, até que se consolide a convergência da inflação para a meta.

 

As duas mensagens constam da ata da reunião realizada pelo colegiado na semana passada, que terminou pela segunda vez consecutiva com uma redução de 0,5 ponto da taxa básica de juros – desta vez, de 13,25% para 12,75% ao ano.

 

O texto, divulgado ontem, consolidou no mercado financeiro a projeção de que a Selic pode fechar o ano em 11,75%, considerando o anúncio de mais dois cortes nas reuniões do Copom no início de novembro e em meados de dezembro. Essa é a estimativa de 52 instituições ouvidas pelo Projeções Broadcast, de um total de 60. Ainda pela mediana da pesquisa, o atual ciclo de cortes deve se encerrar em 2024 com a Selic em torno de 9%.

 

“Sem ancoragem sólida das expectativas, o Banco Central não vai alterar esse ritmo de redução na Selic”, afirmou a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória. Para ela, a ata adotou um tom mais duro, com destaque para a preocupação do BC com o cenário externo – há receio no mercado de que o Federal Reserve (o banco central americano) volte a elevar as taxas no país. “Os juros mais fortes lá fora pressionam o câmbio. Tivemos surpresas para cima nas cotações de algumas commodities, que ainda não bateram nos preços ao consumidor.”

 

A avaliação do economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio de Souza Leal, também é de que a ata corrobora a percepção de que o BC não terá espaço para acelerar o ritmo de cortes da Selic neste ano. “Na verdade, considerando que o final de ano vai ser bom em termos de crescimento, eu acho mais fácil o Copom reduzir o ritmo para cortes de 0,25 ponto porcentual do que acelerar para 0,75 ponto”, disse ele.

 

“Unanimidade”

 

Na ata, os integrantes do Copom falam em consenso sobre os próximos passos do colegiado. “Os membros do comitê concordaram unanimemente com a expectativa de cortes de 0,50 ponto porcentual nas próximas reuniões e avaliaram que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário”, diz o texto divulgado ontem. “O comitê julga como pouco provável uma intensificação adicional do ritmo de ajustes, já que isso exigiria surpresas positivas substanciais que elevassem ainda mais a confiança na dinâmica desinflacionária prospectiva.”

 

Nesse contexto, o colegiado reafirmou as condições que indicariam uma maior confiança nesse processo, como “uma reancoragem bem mais sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto (o espaço que o PIB tem para se expandir sem que estimule uma inflação de demanda) ou uma dinâmica substancialmente mais benigna do que a esperada da inflação de serviços”.

 

Ainda segundo o comitê, o ritmo de 0,50 ponto porcentual “conjuga o firme compromisso com a reancoragem de expectativas e a dinâmica desinflacionária e o ajuste no nível de aperto monetário em termos reais diante da dinâmica mais benigna da inflação antecipada nas projeções do cenário de referência”.

 

Antes da reunião da semana passada, uma parte do mercado acreditava que poderia haver pelo menos um corte de 0,75 ponto na Selic em uma das próximas reuniões do Copom neste ano.

 

“Desconfiança”

 

Durante participação no J. Safra Brazil Conference, ontem em São Paulo, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, disse que a “desconfiança” do mercado sobre a execução do novo arcabouço fiscal estaria impedindo a convergência das expectativas de inflação para a meta de 3% nos próximos anos.

 

Segundo Galípolo, na comparação com o início do ano surpresas positivas relacionadas à condução da política fiscal melhoraram as perspectivas e derrubaram para 0,8% as projeções dos economistas para o déficit primário do ano que vem, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

 

Ele considerou, porém, que a desancoragem parcial das expectativas de inflação estaria mais relacionada com o funcionamento do arcabouço do que propriamente com o cumprimento de suas metas. O diretor contou já ter ouvido no mercado investidores que preferem um cenário de déficit maior, porém com menos impulso fiscal. “Existe ainda uma desconfiança sobre a execução do arcabouço, isto está presente”, disse ele, que enfatizou que as expectativas são essenciais na condução da política monetária.

 

“Os membros do comitê concordaram unanimemente com a expectativa de cortes de 0,50 ponto porcentual nas próximas reuniões e avaliaram que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista”

 

Os reajustes dos combustíveis aceleraram a prévia da inflação oficial em setembro. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) saiu de 0,28%, em agosto, para 0,35% neste mês, segundo dados divulgados ontem pelo IBGE. Como resultado, a taxa de inflação acumulada em 12 meses subiu pelo segundo mês consecutivo – de 4,24%, no mês passado, para 5%. A meta fixada para o ano é de 3,25%, com margem de tolerância entre 1,75% e 4,75%.

 

Apesar da alta, analistas ressaltaram que o chamado índice de difusão – que mostra a proporção de itens com aumentos de preços – caiu para 43,9% na prévia do IPCA de setembro, já descontados os efeitos sazonais. Trata-se do menor nível da série histórica, calculou o Santander Brasil.

 

“A leitura foi novamente favorável em termos qualitativos”, afirmaram os economistas do banco Daniel Karp e Adriano Valladão.

 

Também na avaliação do economista João Fernandes, da gestora de investimentos Quantitas, o resultado apurado pelo IBGE corrobora a percepção de que a inflação corrente continua com dinâmica “benigna” e que não deve ser um “problema severo” para a economia brasileira. “Esse IPCA-15 foi misto, com várias sutilezas no número. Mas, no líquido, parece que dá continuidade à tendência benigna”, disse Fernandes.

 

Maior peso

 

Após os reajustes nas refinarias em meados de agosto, o preço da gasolina registrou uma alta de 5,18% no varejo, respondendo por aproximadamente 72% da taxa do IPCA-15 deste mês. Pressionados também pelos aumentos das passagens aéreas e do óleo diesel, os custos das famílias com transporte avançaram 2,02% em setembro, uma pressão de 0,41 ponto porcentual na prévia da inflação.

 

Na direção oposta, três dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE registraram deflação em setembro: alimentação e bebidas (-0,77%), artigos de residência (0,47%) e comunicação (0,15%). Os preços dos alimentos nos supermercados recuaram 1,25% em setembro. As famílias pagaram menos pela batata-inglesa (-10,51%), cebola (-9,51%), feijão carioca (-8,13%) e leite longa-vida (-3,45%), entre outros produtos.

 

Para o C6 Bank, o resultado não muda a previsão de alta de 5,4% da inflação em 2023, seguida de aumento de 5,5% em 2024. “Entre os fatores que influenciam essa trajetória, está o mercado de trabalho aquecido, que pressiona a inflação de serviços, um importante termômetro de para onde vai a inflação geral. A taxa de desemprego se encontra abaixo da média histórica brasileira, dificultando a desaceleração da inflação de serviços e, portanto, trazendo desafios para a convergência da inflação à meta”, justificou a economista Claudia Moreno, do C6 Bank, em comentário. (O Estado de S. Paulo/Thaís Barcellos, Eduardo Rodrigues, Daniel Tozzi Mendes, Cícero Cotrim e Eduardo Lagua)