Faltam remédios, equipamento médico e carros na Argentina

O Estado de S. Paulo

 

Quem entra em um supermercado na Argentina percebe que alimentos importados sumiram das prateleiras. Concessionárias não sabem quando receberão carros novos. Hospitais alertam que as cirurgias estão ameaçadas por falta de equipamentos básicos.

 

Em dívida com o FMI e com as reservas em dólares no vermelho, a Argentina vive uma crise de desabastecimento. Entidades empresariais e associações de saúde alertam para o risco de uma paralisação completa da produção industrial e dos serviços básicos.

 

O primeiro turno da eleição presidencial será em 22 de outubro. O candidato do governo é o ministro da Economia, Sergio Massa. Ele nega o risco de desabastecimento, mesmo após associações médicas reclamarem que não conseguem mais comprar insumos e podem suspender tratamentos de diálise.

 

“As restrições regulatórias e cambiais impedem o abastecimento do sistema de saúde, o que afetará a realização de análises clínicas, obrigando à suspensão de intervenções, como transplantes e cirurgias, colocando em risco de vida os pacientes”, disseram as entidades que representam empresas e laboratórios.

 

Mas a área médica não é a única em dificuldade. Há três meses, a Argentina não recebe carros importados e faltam peças para manutenção. O setor químico também alerta para a falta de insumos, o que pode afetar a produção de alimentos e antibióticos.

 

Escassez

 

“No supermercado, há cada vez menos variedade, porque recebemos muitos produtos importados do Brasil”, disse Juan Carlos Rosiello, professor de economia da Universidade Católica Argentina. “O mesmo acontece com os carros, que compramos do Brasil, e já não entram mais.”

 

Na semana passada, a União Industrial Argentina (UIA) lançou um alerta: a dificuldade em acessar dólar está afetando serviços essenciais para o funcionamento das indústrias, como licenças de softwares, hardwares e alojamento na nuvem.

 

A entidade também alertou para um salto na dívida comercial das empresas, que contam com uma liberação de dólares a conta-gotas por parte do governo. Segundo a UIA, a dívida saltou de US$ 16 bilhões para US$ 38 bilhões em três anos. “O aumento causa complicações no crédito privado que as empresas têm com fornecedores e pode provocar mais tensões na cadeia produtiva”, disse a UIA, em comunicado.

 

“Nossas exportações têm um porcentual de componentes importados. Então, se a indústria exportadora não consegue importar esse pequeno porcentual, ela não vai exportar. Isso cria um forte impacto na produção, que fica paralisada”, explica Rosiello.

 

Restrições

 

Segundo entidades empresariais, o problema não é apenas a falta de dólares, mas também as barreiras de importação e a constante oscilação de preços causada pela inflação. Com as reservas negativas em US$ 10 bilhões, o governo tenta segurar as importações para não agravar a crise.

 

Por algum tempo, a Argentina permitiu que suas transações fossem feitas também em yuan, moeda chinesa. Mas mesmo esta fonte começa a secar. Com isso, o governo impôs, desde outubro do ano passado, um limite de importações.

 

Diante da bagunça cambial – o dólar chega a custar até o dobro do valor oficial –, produtores seguram as vendas sabendo que o produto valerá mais no futuro e importadores fazem imensas compras para garantir o dólar mais barato. Por isso, foi criado o Sistema de Importação da República Argentina (Sira), para regular o fluxo.

 

Quem precisa importar tem de preencher um formulário e torcer para o governo autorizar a entrada. As empresas reclamam de atrasos nas autorizações e dificuldade de comunicação com as autoridades. Isso se soma à desvalorização do peso, que o governo promoveu após as eleições primárias, a pedido do FMI, para liberar mais dinheiro. A medida agravou a instabilidade dos preços e a escassez de produtos.

 

De forma semelhante, parceiros comerciais passaram a vender seus produtos a conta gotas esperando um câmbio mais favorável nos dias seguintes. Com isso, serviços médicos que dependem de manutenção de estoques, como foi o caso dos centros de diálise, viram seus insumos desaparecerem.

 

Para completar, o país atravessa uma seca histórica que já provocou a perda de metade dos cultivos da Argentina. O resultado é um déficit comercial de US$ 6 bilhões, de janeiro a agosto. As importações caíram 12%, em setembro. As exportações, 26%.

 

Deve haver mais desvalorizações do peso para corrigir a distorção de câmbios. Uma ação de alto custo político para Massa, que já avisou que não fará antes da eleição. Segundo as últimas pesquisas, Massa tem chances de ir ao segundo turno contra o autodeclarado libertário Javier Milei. Colado no governista está Patricia Bullrich, candidata liberal aliada do ex-presidente Mauricio Macri. (O Estado de S. Paulo/Carolina Marins)