O Estado de S. Paulo
Avanço no mercado mundial amplia defasagem de preços no País – diferença chega a 14% no caso do diesel.
O novo avanço das cotações do petróleo deve colocar mais pressão sobre os preços dos combustíveis no Brasil, com o aumento da defasagem em relação aos valores do mercado internacional, uma vez que a Petrobras não segue mais, desde meados de março, o antigo modelo de Paridade de Preços de Importação (PPI).
Depois de bater na quartafeira em US$ 90,60, o maior patamar desde novembro do ano passado, o preço do barril de petróleo tipo Brent (referência para os negócios no Brasil) recuou ligeiramente ontem, para US$ 89,92. Os analistas já projetavam que o barril poderia voltar a ficar na casa dos US$ 90 ainda neste ano, mas não neste momento.
A Petrobras reajustou os preços dos combustíveis pela última vez em 15 de agosto, depois de um intervalo de três meses em relação à alta anterior. Mas o reajuste não foi suficiente para zerar toda a defasagem acumulada até então em relação aos preços internacionais.
De acordo com a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), no caso do diesel (que foi reajustado em 25,5%) essa defasagem – que à época era de 30% – estava em 10% no início desta semana. Na quarta-feira, porém, com o aumento do petróleo, havia voltado a subir para 14%, o equivalente a uma diferença de R$ 0,62 por litro. Nas contas do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), essa defasagem chegou a 13,1%, ou R$ 0,58 por litro.
No caso da gasolina, que é menos dependente de importação, a defasagem calculada pela Abicom segue em um dígito desde o aumento de 16,2% nas refinarias em agosto, ficando em 5% – ou R$ 0,17 por litro. Nas contas do CBIE, essa distância é maior: de 11,6%, ou R$ 0,38.
Para Pedro Rodrigues, do CBIE, a nova alta do petróleo vai pressionar a Petrobras a realizar novos reajustes, embora a tendência seja de que fiquem represados. Em defesa da nova política de preços, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, já disse que a empresa tem de se “libertar do dogma da PPI”.
Com os preços da Petrobras muito abaixo dos internacionais, as margem dos importadores despenca e eles têm dificuldades de operar, o que pode aumentar o risco de problemas de abastecimento – o País importa entre 20% e 30% de todo o diesel que consome.
Se de um lado a alta dos preços do petróleo é boa para Petrobras, que também exporta a commodity, um eventual reajuste de preços terá impacto direto na inflação, pressionando o Banco Central, que iniciou em agosto o ciclo de cortes da Selic, hoje em 13,25% ao ano.
Dependência País importa até 30% do diesel que consome, e defasagem pode afetar abastecimento
A tendência dos preços do petróleo no mercado internacional deve se manter em rota de valorização, segundo os analistas. O movimento de alta nas cotações tem como pano de fundo a manutenção, por mais três meses, até o fim do ano, dos cortes de 1,3 milhão de barris de petróleo diários definidos pela Arábia Saudita e a Rússia – movimento que colocou a oferta como o fator determinante para a dinâmica dos preços neste segundo semestre.
A demanda global por petróleo avançou este ano, mas, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, teria atingido um teto, parando de pressionar os preços por si só. Essa demanda hoje está em torno dos 100 milhões de barris por dia.
Déficit
Para o estrategista da consultoria S&P Global Felipe Perez, dado o protagonismo excessivo da Arábia Saudita no mercado internacional novos cortes de produção ou extensões daquele prazo de três meses são possíveis, o que pressionaria ainda mais os preços.
A consultoria global Rystad Energy já prevê déficit no balanço entre oferta e demanda no quarto trimestre, com o mundo consumindo 2,7 milhões de barris por dia a mais do que o ofertado pelos produtores. A consequência são estoques menores e preços mais altos.
Para os especialistas, a escalada atual já era esperada neste semestre, mas foi antecipada pelo movimento unilateral encabeçado pela Arábia Saudita. Ainda assim, algumas consultorias resistem em alterar suas projeções. O CBIE, por exemplo, manteve a previsão de US$ 93 para o preço médio deste segundo semestre, com máxima de US$ 95 a ser alcançada no quarto trimestre.
Perez observa que a demanda mundial por petróleo está em níveis recordes, mas o aumento veio abaixo do que se esperava, sobretudo em função do avanço tímido da economia chinesa. “O mercado se balizou numa recuperação de demanda da China, que já veio e agora se estabilizou abaixo das expectativas. Estamos vendo um certo platô nessa demanda global (por petróleo), e agora o que vai fazer a diferença é a oferta”, diz o especialista.
Influência
O analista Amance Boutin, da Argus, concorda. “Quem apostava em US$ 100 por barril (de Brent), acreditava na retomada forte da economia chinesa. A demanda vinha se fortalecendo, mas acabou não se materializando como previsto. O que sobra agora para aumentar preço é aperto na oferta.”
Perez destaca a influência da Arábia Saudita no contexto atual dos preços. “Hoje, os sauditas produzem 9 milhões de barris por dia, podendo reduzir esse volume rapidamente em 1 milhão ou 2 milhões, ou aumentá-lo em até 3 milhões induzindo o preço”.
Movimentos desse tipo, no caso dos sauditas, estão muito ligados à receita do País – 90% dependente de petróleo –, enquanto para a Rússia importa mais o jogo geopolítico de pressionar as economias da Europa e Estados Unidos. Por essa razão, diz ele, mais cortes ou prorrogação dos cortes atuais até o primeiro trimestre de 2024 não surpreenderiam.
Para o diretor do CBIE Pedro Rodrigues, dificilmente os dois países, que lideram a Opep+, aceitarão os preços do Brent abaixo de US$ 85 no curto prazo. “É cada vez mais claro que a lógica desses países é buscar aumento da receita via valorização de preços por meio de redução da oferta”.
“É cada vez mais claro que a lógica desses países (Arábia Saudita e Rússia) é buscar aumento da receita via valorização de preços por meio de redução da oferta. Eles dificilmente vão aceitar os preços do barril de petróleo abaixo de US$ 85 no curto prazo”, Pedro Rodrigues Diretor do CBIE. (O Estado de S. Paulo/Gabriel Vasconcelos)