Indústria se moderniza, mas ainda faltam 5G e mão de obra

O Estado de S. Paulo

 

Alta tecnologia permite no Brasil controlar a qualidade de milhões de barras de chocolate, rastrear trens com matéria-prima para aço e medir o risco de acidentes de trabalho. A chegada do 5G, há cerca de um ano, acelerou a digitalização e automação em um grupo de indústrias e empresas, a maioria delas de grande porte e em condições de contratar rede privativa, com acesso a antenas próprias, informa Cleide Silva. O custo dessa solução e a falta de redes impede maior uso do 5G. O ganho de eficiência a partir de novas tecnologias esbarra também na falta de mão de obra. Entre os setores mais inovadores, estão agroindústria, saúde, robótica e automotivo.

 

A chegada do 5G ao País há cerca de um ano acelerou processos de digitalização e automação em indústrias e empresas de diferentes setores, a maioria de grande porte e em condições de contratar redes privativas, com acesso exclusivo aos sinais de antenas próprias. O uso maior da nova tecnologia ainda esbarra no alto custo dessa solução e na falta de redes, inclusive nas capitais que já têm acesso ao serviço.

 

Também há escassez de mão de obra apta a entender e utilizar todas as possibilidades que as novas tecnologias oferecem. “É como dirigir uma Ferrari só em terceira marcha”, compara Luiz Sávio, sócio da KPMG no Brasil, ao citar o não aproveitamento de todo os recursos disponíveis. Empresas que estavam à frente nos processos da chamada “indústria 4.0” são as que lideram o uso do 5G, rede de telefonia mais potente e mais veloz que a 4G, mais usada atualmente.

 

Recente estudo da plataforma Mobile Time, chamado de Mapa do Ecossistema Brasileiro de Redes Celulares Privativas, indica que há apenas 15 redes celulares privativas operadas por indústrias. O maior número, 29, é de empresas do setor de óleo e gás. No total de 128 redes mapeadas, porém, só 22% operam com 5G e 6% com 4G e 5G. As demais utilizam a tecnologia 4G.

 

Com óculos de realidade virtual, uma funcionária da Nestlé controla sozinha uma das linhas de produção de chocolates verificando dados como velocidade do processo e temperatura do produto. Seu equipamento é conectado a vários outros e qualquer problema que ocorra ela pode interromper a linha. Os óculos também são usados para treinamento de funcionários antes de irem para a operação manual.

 

Essa e outras tecnologias – como a de uma câmera “gigante” que valida a qualidade de cada uma das milhares de barras de chocolate que passam por uma esteira antes de serem embaladas automaticamente –, foram implantadas com a chegada do 5G, que está facilitando ainda mais a transformação digital do grupo rumo à uma futura fábrica autônoma.

 

A planta da Nestlé em Caçapava (SP), onde são produzidos 3,6 milhões de chocolates KitKat por dia, além de barras e bombons, foi a primeira da empresa no mundo a implementar, em agosto do ano passado, uma rede privativa 5G para a “indústria 4.0”.

 

Ainda em fase piloto em uma das unidades da planta, a tecnologia somada aos processos de automação adotados mais intensamente a partir de 2018 já permitiu ganhos produtivos de mais de 10%, diz Gustavo Moura, gerente executivo de Transformação Digital da Nestlé, além de permitir a produção de um número maior de diferentes chocolates na linha ao mesmo tempo.

 

Pouco alcance Apenas 15 redes privativas de 5G, de um total de 129 em todo o País, são operadas por indústrias

 

A escassez de mão de obra qualificada ainda é a maior barreira para o avanço da automação e da digitalização da produção industrial no País. Para Luiz Sávio, sócio da consultoria KPMG no Brasil, muitas empresas já têm dispositivos de última geração, mas não conseguem produzir mais em razão do não aproveitamento de tudo o que está disponível nessas ferramentas. “Não adianta ficar só no nível executivo. Precisa ter o pessoal operacional envolvido.”

 

Sávio diz acreditar, contudo, que a tendência no longo prazo é de o 5G se espalhar, até porque a tecnologia deve ficar mais barata. Entre os setores que estão mais avançados na digitalização, afirma o sócio da KPMG, estão o da agroindústria, saúde, robótica e automotivo.

 

No caso da Nestlé, o 5G é um ótimo acelerador do processo de digitalização e automação, “mas o que nos ajudou a chegar no nível atual de maturidade tecnológica tão rapidamente foi a base adquirida anteriormente”, diz Gustavo Moura, gerente executivo de Transformação Digital da empresa. Segundo ele, a companhia “ainda está na metade do caminho” e não tem previsão de quando atingirá o nível de autonomia total.

 

A Nestlé tem 20 unidades industriais no Brasil em oito Estados e emprega 30 mil funcionários, 1.360 deles em Caçapava (SP). A fábrica foi escalada para testar as novas tecnologias de produção que são repassadas para as demais. Entre este ano e 2026, a companhia vai investir R$ 2,7 bilhões, sendo que 40% do valor ficará nessa planta para projetos de modernização, ampliação de capacidade, inovação, desenvolvimento de novos produtos e sustentabilidade.

 

Avanço

 

Outro grupo brasileiro que é líder no seu segmento, a fabricante de aços Gerdau, iniciou no ano passado a instalação da tecnologia 5G e 4G na fábrica de Ouro Branco (MG), em uma parceria com a Embratel e a Claro, que também participam do projeto da Nestlé. Já o uso da Inteligência Artificial (IA) começou em 2020 e hoje é aplicada nas novas aciarias, onde é produzido o aço bruto, na segurança do trabalho e na cadeia de suprimentos.

 

Segundo Gustavo França, líder global da área de tecnologia digital do grupo que tem 11 plantas no Brasil e 21 em outros países, a unidade mineira está “em rota acelerada e bem próxima de ser uma fábrica digital”, embora admita que, por suas características, uma siderurgia “nunca será completamente autônoma”.

 

Com a rede privativa, a Gerdau vai ampliar o uso dos conceitos da “indústria 4.0” com maior automatização, rastreabilidade, uso de dados e segurança nos processos, o que gerará maior produtividade – resultado que França ainda não consegue mensurar.

 

A unidade de Ouro Branco, a maior do grupo, com 8,3 milhões de m², controla de forma remota os trens que circulam com matéria-prima pelos 90 quilômetros de linha férrea dentro das instalações. “Com conectividade podemos capturar onde a locomotiva está, o que tem em cada vagão, estabelecer rotas e saber o momento certo de manutenção”, diz França.

 

Atualmente a companhia estuda a introdução do conceito de inteligência artificial generativa, que permite ao computador criar conteúdos inéditos a partir dos dados que já dispõe. Na segurança do trabalho, a empresa utiliza a IA para antever situações abaixo do padrão normal e identificar se uma determinada área tem potencial para incidentes com gravidade elevada, por exemplo. Metade da planta já é coberta com 4G e 5G e a outra metade terá a tecnologia até o fim do ano.

 

O diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, Hugo Tadeu, avalia que a tecnologia 5G e a transformação digital no País estão em fase piloto. “Não está ainda em escala industrial e é praticamente uma rede 4G turbinada”, diz.

 

Estudo feito pela fundação em parceria com a PwC aponta, por exemplo, apontou que, em uma escala de um a dez, o nível de maturidade para avançar nos assuntos tecnológicos entre mais de 100 empresas de dez setores consultadas é mediano – a “nota” geral da sondagem foi 4.

 

Tadeu ressalta, entretanto, que há setores mais maduros nessa rota, como o financeiro, e uma das explicações é sua capacidade de investimento em digitalização de canais, integração de sistemas e base de dados. O Pix, por exemplo, é resultado dessa agenda nascido no Laboratório de Inovações e Finanças do Banco Central. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)