Selic menor vai aliviar peso da dívida

O Estado de S. Paulo

 

A perspectiva de queda dos juros nos próximos meses pode garantir ao governo uma economia de cerca de R$ 310 bilhões nas despesas com juros da dívida pública entre agosto deste ano, início do ciclo de queda da Selic, e dezembro de 2024. O cálculo baseia-se em um cenário de redução da taxa básica de juros dos atuais 13,25% para 9,50% ao ano em agosto de 2024, com a taxa ficando nesse patamar até dezembro.

 

Dessa forma, a queda das despesas com juros da dívida chegaria a R$ 45 bilhões, neste ano, e a R$ 264 bilhões em 2024. Os números foram calculados por Daniel Leal, que por nove anos permaneceu na coordenação geral de operações da Dívida Pública (Codip) no Tesouro Nacional. Segundo ele, esses dados indicam a importância do ciclo de queda da Selic para a redução do custo da dívida bruta e também do déficit nominal das contas públicas – que leva em conta receitas menos despesas, mais os gastos com os juros da dívida.

 

De acordo com o último dado do Banco Central, a dívida bruta fechou o mês de junho em R$ 7,6 trilhões (73,59% do PIB). No cenário projetado por Leal, a relação entre a dívida pública e o PIB pode cair aproximadamente 0,42%, em 2023, e 2,33% em 2024.

 

Ainda na avaliação do economista, que hoje é estrategista da corretora BGC Liquidez, a sinalização de melhora das contas públicas tende a ter mais importância do que zerar o déficit em 2024 – meta fiscal prevista no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que serve de base para a elaboração do Orçamento.

 

“O déficit zero não vai ser fácil entregar. Mas havendo uma melhora nas contas, um déficit menor, o mercado vai reconhecer que não há descompromisso fiscal”, diz, com a ressalva: “Mas, se o mercado sentir que está voltando aquela toada desenvolvimentista que houve nos governos do PT, tudo que está sendo construído agora vai por água abaixo.”

 

Focus

 

O ritmo de queda dos juros, definido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, depende em última instância da trajetória da inflação. Novos dados do Boletim Focus, uma compilação feita pelo BC com as projeções do mercado financeiro, mostraram que, após o aumento dos combustíveis pela Petrobras, na semana passada, a estimativa para a inflação medida pelo IPCA para 2023 voltou a subir, de 4,84% para 4,9%. Para 2024, que tem maior peso nas decisões do Copom, porém, houve manutenção das expectativas em 3,86%.

 

A projeções para a Selic mantiveram-se em linha com a indicação dada pelo Copom de seguir com os cortes de 0,5 ponto porcentual nas próximas reuniões. A mediana para a Selic no fim deste ano continua em 11,75%, caindo para 9% em dezembro de 2024.

 

Depois que o Banco Central (BC) brasileiro iniciou o ciclo de flexibilização monetária com um corte de juros mais arrojado do que boa parte do mercado esperava, o economista-chefe de mercados emergentes do Citi, David Lubin, avalia que a decisão pode ter aberto a porta a novas surpresas em outras economias.

 

Apesar disso, ele diz ter dúvidas sobre o impulso à atividade econômica, dado o freio de juros reais que, paradoxalmente, tendem a subir por conta da desaceleração dos preços, mais rápida do que a redução das taxas nominais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

O início do ciclo de flexibilização monetária, com cortes de juros mais arrojados do que se esperava no Brasil e no Chile, deve impulsionar a atividade, apesar do ambiente internacional difícil para produtores de commodities?

Nos próximos meses, as expectativas de inflação, provavelmente, vão cair mais rápido do que os juros nominais nos países emergentes. Isso significa que, em geral, a taxa de juros real ex-ante, ou seja, descontada das expectativas para a inflação, vai subir. Acho que precisamos estar abertos para a possibilidade de as decisões dos bancos centrais do Chile e do Brasil terem aberto a porta para novas surpresas. Há chance de a taxa de juros cair mais rápido do que estamos prevendo atualmente. Mesmo assim, por conta dessa situação paradoxal, na qual, apesar da queda dos juros nominais, a taxa real sobe em razão da queda mais acelerada das expectativas, não estou seguro de que o ambiente favorável de desinflação vai apoiar o crescimento.

 

Por que você espera uma queda adicional das expectativas?

Temos um ambiente benigno para a queda da inflação nos mercados emergentes. Desde maio, particularmente, quase todos os países publicaram índices de inflação abaixo do esperado. Exceção a países como a Índia, a inflação nos emergentes está, em geral, se comportando bem. Um dos motivos é que os preços das commodities estão recuando, e nos mercados emergentes os bens de consumo têm peso maior do que os serviços na inflação ao consumidor. Os núcleos de inflação dão, na maioria dos países, sinais de desaceleração rápida, embora continue resistente no Brasil. Temos um cenário de desinflação confiável nas economias emergentes, e acho que vai continuar assim por bom tempo.

 

O arrojo apontado por parte dos economistas na abertura do ciclo de flexibilização monetária no Brasil pode adiar a convergência da inflação em direção à meta de 3% nos próximos anos?

Ainda temos a previsão de inflação em 4% até o ano que vem. Portanto, ainda não vemos a inflação chegando a 3% no Brasil antes de 2025.

 

Como você vê a evolução da situação fiscal no Brasil desde o início do ano, com a chegada de um novo governo?

A melhora de confiança do mercado nas finanças públicas tem a ver com o avanço do arcabouço fiscal e da reforma tributária, mas também com o fato de que, no começo do ano, a nossa expectativa era de crescimento do PIB perto de zero. Agora, a nossa projeção para o crescimento do Brasil neste ano está perto de 2,5%, graças à supersafra, que permitiu um forte crescimento no primeiro trimestre. Para se ter uma avaliação adequada, temos de ver o que o governo vai fazer num ambiente econômico mais difícil. O teste que mostrará se o arcabouço é robusto ou não vai acontecer caso o crescimento do PIB, por algum motivo, volte para zero ou para abaixo de 1%. O governo fará um esforço para entregar as metas de superávit nos próximos três anos? Se o crescimento diminuir e exigir esforços fiscais para gerar os resultados primários prometidos, o que o governo vai fazer? Nesse momento, ainda não sabemos.

 

A desaceleração da economia chinesa vai contribuir mais para a desinflação do resto do mundo?

A China já tem um problema sério de deflação nos preços aos produtores. Na inflação ao consumidor, caiu em base anual para zero na última medição (relativa a junho). Acho que as autoridades chinesas vão ficar muito desapontadas se houver uma deflação persistente nos preços ao consumidor. Quando a confiança está baixa e os consumidores buscam por barganhas, se os preços começam a cair, o risco é de uma espiral negativa: as famílias adiam o consumo porque percebem que os preços estão em queda; e os preços caem porque as famílias estão adiando o consumo. Não estamos prevendo isso, mas com certeza é um risco. De qualquer maneira, se a deflação na China se tornar óbvia, haverá um efeito baixista para a inflação do resto do mundo, em particular nos países emergentes.

 

Isso, de certa forma, já não acontece no atacado?

Sim. A queda do índice de preços ao produtor na China tende a levar a um declínio da inflação ao produtor em outros países. Ao mesmo tempo, a queda dos índices de preços ao produtor tende a preceder a queda dos preços ao consumidor em qualquer lugar. Então, o fato de termos deflação nos preços ao produtor na China é, por si só, um movimento desinflacionário para muitas outras economias. (O Estado de S. Paulo/Adriana Fernandes e Thaís Barcellos)