O Estado de S. Paulo
Certas verdades se repetem, mas não produzem consequências. Uma delas é a de que o ciclo de substituição de importações morreu de velhice.
Quando começou, lá pelos anos 50, a indústria brasileira procurou produzir aqui o que antes se importava. A política industrial foi voltada para esse objetivo sem olhar para os custos. A indústria incipiente foi defendida com barreiras alfandegárias, subsídios generosos, reservas de mercado, isenções fiscais, direitos de preferência ao produto nacional e juros favorecidos.
O modelo se esgotou. Morreu, mas ainda não recebeu atestado de óbito. Ainda que essa proteção subsista e, em muitos casos, tenha sido reforçada, a indústria de transformação definha, não é competitiva, não consegue exportar e, em tecnologia, vai ficando para trás – embora conte com um mercadão interno de mais de 200 milhões de bocas.
A saída é inserir a indústria nas cadeias globais de produção e distribuição. Ou seja, é preciso alargar o mercado para aumentar a escala de produção. O Brasil não pode ficar à margem do mundo novo. Isso requer absorção de tecnologia, acordos comerciais, preparo de mão de obra e capital.
A boca torta pelo uso do cachimbo leva não só certas lideranças da indústria, mas, também, governo e os segmentos nacionalistas mais ferrenhos a exigir mais do mesmo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, quer que o esburacado sistema de construção naval volte a fornecer plataformas à Petrobras, não importando os custos muito mais altos.
O presidente também avisa que não vai abrir o Brasil para os fornecedores de compras governamentais da União Europeia. Essa insistência tem dividido o governo e pode colocar em risco o acordo entre União Europeia e Mercosul, negociado há décadas.
Leonardo Trevisan, professor de economia da ESPM, adverte que um processo de adesão a acordos internacionais de comércio e de aumento da competitividade produzirá certo nível de destruição criativa, que alija indústrias incapazes de se recuperar.
O governo, diz ele, terá de fazer uma “Escolha de Sofia”. Em que definirá quais segmentos continuam merecendo proteção, sem, no entanto, inibir a concorrência internacional e a destruição criativa de alguns.
“Temos uma parcela da indústria que precisa dessa competição para avançar, mas também não podemos esquecer de setores mais sensíveis à concorrência e que são geradores de trabalho com valor agregado para o País. Estamos falando de segmentos que atendem uma parcela menos protegida da sociedade brasileira, como a indústria de antibióticos, remédios para saúde pública de uso contínuo e a agricultura familiar, que sustenta uma cadeia produtiva localizada para fornecer merenda escolar mais acessível e de melhor qualidade”, explica Trevisan.
O argumento novo é o de que a música orquestrada no salão global é de proteção aos produtores locais, como contam os refrões de Trump “buy American” e “put America first again”. O protecionismo europeu parece ainda mais atiçado pela atuação dos chineses.
Em compensação, o Brasil está em condições de tirar proveito do processo de transição energética, que visa à substituição de energia fóssil por energia limpa, capaz de propiciar nova fase de desenvolvimento acelerado. Para isso, a “Escolha de Sofia” terá de ser feita. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming e Pablo Santana)