Por que montadoras chinesas estão investindo em fábricas de veículos elétricos no Brasil

O Estado de S. Paulo

 

Empresas chinesas do setor automotivo estão ampliando investimentos no Brasil no segmento de veículos elétricos e híbridos, ocupando um espaço que está em compasso de espera nos planos da maioria das fabricantes tradicionais.

 

Em menos de dois anos, três montadoras – GWM, BYD e Higer Bus -, anunciaram aportes que somam mais de R$ 20 bilhões em produção local. Um quarto grupo, o XCMG, avalia iniciar operações em dois anos. Novos projetos devem chegar ao País, como os de fabricação de componentes, dizem executivos do setor.

 

Dispostas a ocupar mercados onde a eletrificação ainda está engatinhando, as companhias chinesas veem o Brasil como oportunidade de expansão de negócios locais e em toda a região.

 

“O Brasil é hoje um país estratégico para a BYD no mundo, já que é o maior mercado consumidor da América Latina”, diz Tyler Li, CEO do grupo no País. O País tem hoje um mercado de 2 milhões de veículos ao ano. Somado aos demais da América do Sul e América Central (exceto México), chega a quase 4 milhões de unidades.

 

Ao contrário de anos anteriores, quando grupos da China aportavam no País apenas para montar kits semi prontos de carros de baixo custo, agora a maioria chega com planos de produção de modelos eletrificados, nacionalização de peças, instalação de centros de pesquisa e serviços.

 

Em agosto de 2021, a Great Wall Motors (GWM) comprou as instalações da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP), após a desistência do grupo alemão em manter a produção local de carros de luxo. Com aportes de R$ 10 bilhões até 2026, a empresa está adaptando a fábrica, que já era considerada moderna, para a fabricação de modelos híbridos flex, híbridos plug-in e, futuramente, elétricos.

 

Novos equipamentos nacionais e importados estão sendo instalados na planta, que também terá sua capacidade produtiva ampliada de 20 mil para 100 mil carros ao ano. À frente desse projeto está Frank Haegele, ex-chefe de operações da Mercedes-Benz, que foi levado de volta ao posto pela GWM. A linha de pintura, que normalmente exige elevados gastos, terá poucas modificações.

 

“Estamos conversando com fornecedores locais para as partes de solda, transporte na linha, chassi, entre outros”, informa Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais da GWM. O fornecedor do sistema híbrido flex está praticamente definido. Há negociações também com fornecedores chineses, diz. “Temos intenção de acelerar a localização”.

 

O início de produção em Iracemápolis está previsto para maio de 2024, provavelmente com uma picape de médio. Se confirmada, será o primeiro veículo desse segmento com tecnologia que opera com motor a combustão e bateria. Nessa fase, o uso de peças nacionais “será básico, mas não vai ser um carro 100% chinês”, informa Bastos.

 

No mês passado, o primeiro modelo importado pela marca, o SUV Haval H6, vendeu 960 unidades, passando à frente do até então líder Toyota Corolla Cross híbrido flex. Vendido por R$ 214 mil a R$ 315 mil em versões híbrida e híbrida plug-in, o H6 se destacou, na opinião de Bastos, pelo preço abaixo do de concorrentes, por seu sistema semiautônomo (mantém distância do carro à frente, segue as faixas das rodovias, por exemplo) e pela autonomia de 170 km no modo elétrico do híbrido.

 

Bastos informa que a companhia fez acordo com a agência de fomento Desenvolve SP para promover, no Estado, testes com caminhões a hidrogênio, sistema que a marca já tem na China. Ele ressalta que ainda não há planos de produção local de pesados. O que está em estudos, para o futuro, são carros elétricos, em princípio para atuar em nichos como aplicativos e frotas. “Com certeza vai ter mais investimentos chineses no Brasil, pois outras fabricantes estão olhando o que estamos fazendo.”

 

Sigla para Build Your Dreans (construa seus sonhos, em português), a BYD, maior fabricante global de veículos elétricos desde o ano passado, quando ultrapassou a Tesla, está perto de concluir negociações para a compra da fábrica da Ford na Bahia, desativada desde 2021. Lá, pretende instalar três bases produtivas de automóveis, caminhões e ônibus e processamento de lítio para baterias. A produção local terá início 18 meses após o fechamento dos contratos, informa Tyler Li. Caso não dê certo a compra das instalações, o grupo afirma ter um Plano B.

 

O investimento anunciado para a fábrica é de R$ 3 bilhões. “Esse valor certamente vai aumentar”, diz o executivo. Há informações de que pode chegar a R$ 10 bilhões, o mesmo aprovado pela GWM. Segundo ele, o grupo tem centenas de pessoas trabalhando atualmente em diversas frentes de atuação, com suporte da matriz em infraestrutura e tecnologia. A BYD tem outras três fábricas no País de ônibus elétricos e de módulos fotovoltaicos em Campinas (SP), e de baterias de fosfato de ferro lítio para veículos comerciais em Manaus (AM).

 

A BYD também buscará fornecedores locais. Tyler Li afirma que um dos fatores fundamentais para o grupo se tornar uma potência global é a amplitude de sua atuação, de semicondutores a painéis solares, de baterias a carros elétricos. “Nosso ecossistema é muito completo, mas certamente contaremos com parceiros estratégicos de acordo com as necessidades.”

 

Higer Bus já pensa em uma segunda planta

 

No segmento de ônibus, o que atraiu a maior fabricante global Higer Bus foi a grande dependência do País por esse tipo de veículo para o transporte público. Cidades da Europa dispõem de grande malha ferroviária e de metrô, os Estados Unidos tem elevado índice de carro por habitante e a China caminha nessas duas direções. O Brasil e vários países da região, ao contrário, seguirão com elevada demanda por ônibus – um dos motivos é que linhas de metrô são caras.

 

Somou-se a esse quadro a necessidade de investimentos na descarbonização. A Higer Bus chegou ao País no ano passado com a importação de ônibus elétricos de olho nos processos de licitação de compras abertos por diversas prefeituras. Em parceria com a empresa brasileira TEVX, o grupo recebeu, até o momento, 215 encomendas de ônibus elétricos que chegarão ao mercado entre julho e setembro.

 

“Tivemos de fazer várias modificações em cada um dos nossos modelos para atender as normas brasileiras”, informa Marcelo Barella, diretor da Higer Bus para a América Latina. Chamado de Azuri e com a marca TVEX Higer, o ônibus elétrico custa R$ 2,8 milhões, sendo que as baterias respondem por 46% do valor.

 

Para a montagem local, que começará no próximo ano, serão investidos na primeira fase US$ 10 milhões (cerca de R$ 50 milhões) em instalações em Fortaleza (CE). Barella explica que, inicialmente, a empresa adotará o sistema chamado de PKD, em que a estrutura do veículo virá pronta da China e aqui serão instalados itens também importados como eixo, rodas, motor e baterias. O grupo também está de olho no mercado de ônibus a hidrogênio, já disponíveis na China.

 

“Já percebemos a necessidade de uma segunda planta, que será instalada em São Paulo ou no Rio de Janeiro”, informa Barella, adiantando que o novo investimento deve ser maior. Entre os fornecedores para a fase de nacionalização de peças estão cotadas empresas como Bosch, ZF, Wabco e Dana. Os ônibus da Higer são integrais, ou seja, não utilizam chassi e as baterias são instaladas no teto.

 

Outra iniciativa da empresa, que exigirá R$ 5 milhões em estrutura, é a instalação de um centro técnico que servirá de depósito para peças de reposição, com R$ 15 milhões a R$ 20 milhões em estoque. O imóvel na Marginal do Tietê, antes usado pelo Grupo Caoa, também terá um centro de formação de motoristas de ônibus elétricos. “Só poderão dirigir nossos veículos quem passar pelo treinamento”, diz Barella.

 

Primeiro caminhão pesado a bateria

 

Importadora e depois fabricante no País de produtos da linha amarela (máquinas e equipamentos) desde 2004, a XCMG anunciou no começo de junho que pretende produzir caminhões elétricos rodoviários de grande porte no Brasil a partir de 2025, mas ainda não informa investimentos previstos. A ideia é usar a mesma estrutura da fábrica de máquinas em Pouso Alegre (MG).

 

A XCMG já importou da matriz chinesa 200 unidades do caminhão chamado de E7-49T, com capacidade de transporte de 49 toneladas e autonomia de 150 quilômetros. É o primeiro com essas características no País e custa R$ 1,3 milhão. Por sua autonomia, é mais indicado para transporte de curta distância, por exemplo entre uma fabricante e seus clientes ou até um centro logístico. “Já temos planejamento de volumes mensais de novas unidades”, afirma Ricardo Senda, gerente de veículos elétricos da empresa.

 

“A viabilidade de nacionalizarmos os caminhões está relacionada aos volumes de demanda do mercado”, afirma Senda. Ele acredita que em dois a três anos será alcançada a demanda necessária para a fabricação local e de um plano crescente de nacionalização de componentes. Um centro de pesquisa e desenvolvimento também está nos planos da empresa. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)