Banco Central ignora pressa de governo e empresários e não sinaliza queda de juros

O Estado de S. Paulo

 

Em decisão unânime, o Copom ignorou as pressões do governo e de empresários ao manter a taxa Selic em 13,75% ao ano pela sétima vez consecutiva. A decisão, que mantém a Selic no maior nível desde janeiro de 2017, era aguardada, mas, contrariando novamente o governo e, desta vez, uma boa parte do mercado, o Copom não trouxe no comunicado divulgado após a sua reunião nenhuma sinalização de corte da taxa básica de juros na sua próxima reunião, marcada para agosto. Em vez disso, o colegiado afirmou que a conjuntura é caracterizada por “um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento” e “segue demandando cautela e parcimônia”.

 

“O comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros dependerão da evolução da dinâmica inflacionária”

 

Trecho do comunicado

 

Apesar da renovada ofensiva do governo e de empresários em defesa da queda de juros, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou ontem a manutenção da Selic em 13,75% ao ano pela sétima vez seguida – ou mais de dez meses.

 

A decisão, que mantém a taxa básica de juros no maior patamar desde janeiro de 2017, já era amplamente aguardada pelo mercado financeiro. Mas contrariando novamente o governo e, desta vez, até mesmo uma boa parte do mercado, o Copom não trouxe no comunicado divulgado após a reunião nenhuma sinalização de corte da Selic no seu próximo encontro – agendado para agosto. Em vez disso, o colegiado voltou a pregar “cautela e serenidade” no combate à inflação.

 

“O comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, disse o colegiado.

 

Para integrantes do governo ouvidos pelo Estadão, a decisão de não sinalizar o corte da Selic mostraria um “descolamento” do presidente do Banco

 

Central, Roberto Campos Neto, e da diretoria da instituição com a melhoria do cenário econômico e com o esforço do governo e do Congresso para aprovar o projeto do novo marco fiscal – um ponto que sempre pesou nas avaliações do BC. Nesse sentido, segundo eles, a decisão do Copom foi recebida com “incredulidade” e “indignação”.

 

Como mostrou o Estadão, no governo havia uma cobrança para que o BC abrisse a porta para a queda de juros na reunião de agosto. Caso isso não acontecesse, a expectativa era de aumento da pressão daqui para frente sobre Campos Neto com uma “guerra declarada”.

 

A Selic serve de referência para as demais taxas de juros no mercado, e seu peso pode ter influência, por exemplo, na decisão de empresários de colocar a mão no bolso ou engavetar projetos de novos investimentos. Não é por outra razão que existe forte pressão do governo para que o BC – que, por lei, tem autonomia de atuação – corte os juros, o que já rendeu duras críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Campos Neto, cujo mandato vai até o fim de 2024.

 

Cenário

 

O que sustentava a expectativa de mudança da política monetária era a queda da inflação nos últimos meses – o IPCA de maio ficou em 0,23%, e as projeções apontam para a possibilidade de uma deflação neste mês, ainda que o resultado no fechamento do ano continue acima da meta – e a esperada aprovação no Congresso do novo arcabouço fiscal, que terá de voltar para a Câmara depois de sofrer ontem mudanças no Senado (mais informações na pág. B4). Também a reforma tributária parece ter ganhado tração no Congresso, apesar da resistência de alguns setores.

 

Uma das mudanças feitas no comunicado foi a retirada de trecho sobre a possibilidade de “retomar ciclo de ajuste”. Mas na opinião da economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, isso não traz sinalização sobre a evolução futura do juro e, muito menos, sobre uma eventual queda na próxima reunião. “Isso, que era esperado pelo mercado, não aconteceu.”

 

Durante a votação do arcabouço no Senado, parlamentares chegaram a reclamar dos efeitos da Selic sobre o PIB. O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), citou reportagem do Estadão que mostrou a redução das compras pelo varejo em razão dos juros altos. “Em momento nenhum Lula ou nenhum de nós falou em retirar o presidente do BC. O que nós temos debatido é que o BC tem uma posição conservadora na manutenção dos juros”. (O Estado de S. Paulo/Thaís Barcellos, Eduardo Rodrigues, Adriana Fernandes e Mariana Carneiro)