Seminovos são minoria da frota, mas representam 48% de roubos

O Estado de S. Paulo

 

Estadão analisou boletins de ocorrência dos últimos 20 anos na capital. Para especialistas, questão está ligada ao mercado de peças. Estado diz combater desmanches.

 

Veículos seminovos correspondem a 48% dos veículos roubados entre 2003 e 2022 na capital paulista, apesar de serem apenas 5% dos automotores que circulam no Estado. Embora o número de roubos de veículos tenha caído na cidade de São Paulo, o perfil do que é roubado segue uma tendência, consolidada pela pandemia e pela crise econômica, como o Estadão observou ao compilar dados de boletins de ocorrência (BOs) registrados dos últimos 20 anos.

 

O cenário atual aponta para um incremento no número de subtrações de veículos. Após um período de baixa por causa da crise sanitária, as estatísticas de roubos e furtos voltaram ao patamar anterior à pandemia: foram 133.585 ocorrências no Estado no ano passado, ante 112.711 em 2021; em 2020, foram 97.615.

 

Veículos usados estão em 52% dos casos de roubo, mas são 95% da frota. Foram considerados usados aqueles com mais de quatro anos de diferença entre o ano do crime e o ano de fabricação. Em números absolutos, carros também foram mais subtraídos do que motos, o que está alinhado com a frota estadual: eles são 66% dos veículos no Estado, na contagem do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE). Em paralelo, correspondem a 58,45% dos roubados desde 2003. Já as motos são proporcionalmente mais visadas: equivalem a 34% dos veículos roubados, mas são apenas 12% da frota nas ruas.

 

À disposição

 

A dinâmica típica do roubo de veículos explica a dianteira dos usados nas ocorrências. Diferentemente do furto, planejado e direcionado, esta modalidade de crime tende a ser mais espontânea e atrair um perfil específico de criminosos. “É uma pessoa que vai pela oportunidade. Está envolvida em outros tipos de crime, como tráfico de drogas e latrocínio, não é um especialista. O furto precisa de um pouco mais de ‘expertise’”, diz André Mancha, pesquisador das relações entre economia e crime no doutorado em microeconomia aplicada no Insper.

 

Foi o que ocorreu com a corretora de imóveis Eugênia Campos, de 55 anos. Era por volta de 1 hora quando ela resolveu levar o sobrinho para casa. Ao sair da garagem de onde mora, nos arredores da Estação São Judas do Metrô, zona sul de São Paulo, ela foi “fechada” por um outro veículo com três homens.

 

Rapidamente, um deles apontou a arma para ela e a ameaçou para abrir o vidro. “Também falou para desbloquear nossos celulares, por causa do Pix”, diz. Eugênia não chegou a ter dinheiro desviado, mas nunca mais encontrou os aparelhos telefônicos e o carro, um Fiat Argo 2020, que estava sem seguro. O caso ocorreu em março do ano passado. “Tive de financiar um carro depois daquilo.”

 

Oferta e demanda

 

Carros e motos com maior circulação são mais fáceis de encontrar, indica Mancha. Em tempos de encarecimento do veículo ‘zero’, os usados são mais numerosos no Brasil – 86% das unidades em circulação no País têm mais de quatro anos de uso.

 

Por isso, olhar para as estatísticas de roubo é perceber as carências do mercado paralelo de peças, afirma Fábio Bechara, promotor de Justiça de São Paulo. Quanto mais veículos velhos, maior a procura por componentes ‘fora de linha’. “Há uma relação entre a necessidade do consumidor e a oferta dessas peças. A compreensão da economia ilícita nos impõe uma lógica de abordagem desse crime na perspectiva de oferta e demanda.”

 

Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum de Segurança Pública, traz uma camada social ao problema. Uma vez que a demanda por material repercute nas ruas, no caso das motos, a peça ilícita é mais atrativa do que a ‘formalizada’. “As pessoas que usam moto são pessoas que não têm tanto recurso. A peça roubada passa a ser atrativa porque ela é mais barata.”

 

Governo

 

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo respondeu, em nota, que desde que a Lei dos Desmanches foi sancionada, em 2014, foram fiscalizados 7.566 estabelecimentos, uma média de 840 locais por ano. Na última década, 241 desmanches ilegais foram lacrados no Estado. (O Estado de S. Paulo/Cindy Damasceno, Lucas Thaynan e Bruno Ponceano)