Cenário externo ajuda e balança comercial pode bater recorde

O Estado de S. Paulo

 

A desaceleração da economia mundial esperada para 2023 não se confirmou até agora, pelo menos no nível projetado em 2022, e a conjuntura deve fazer com que o Brasil tenha um ano de bom resultado da balança comercial. Parte dos bancos e consultorias prevê superávit acima de US$ 70 bilhões, o que seria um recorde. O Brasil tem conseguido compensar a redução dos preços internacionais dos produtos que exporta com o aumento nos volumes, em especial no agronegócio. Nos EUA, mesmo com a alta das taxas de juros, o cenário de recessão tem sido postergado sucessivamente. A rápida reabertura da China, que abandonou a política de covid zero, também ajudou. O país asiático é grande importador de produtos básicos, como soja e minério de ferro, e se tornou o principal parceiro comercial do Brasil.

 

O início da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva tem tido uma ajuda inesperada da economia global. Na virada do ano, o que boa parte dos analistas esperava era uma atividade mundial bem mais fraca do que os últimos indicadores têm revelado.

 

A conjuntura mais positiva deve fazer com que o Brasil colha um novo ano de bom resultado da balança comercial. Uma parte dos bancos e consultorias prevê um superávit acima de US$ 70 bilhões em 2023, o que marcará um recorde se confirmado.

 

O estágio atual da economia está longe de ter como referência a forte expansão observada na primeira década dos anos 2000, fundamental para sustentar o crescimento econômico nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). No entanto, o fato de o mundo ter se mostrado resiliente neste semestre pode ajudar a repetir, ainda que numa escala menor, o ambiente internacional favorável enfrentado pelo petista no passado.

 

“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

 

Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda – o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.

 

Uma das hipóteses que pode ajudar a decifrar esse desempenho tem relação com os estímulos monetários e fiscais concedidos no auge da pandemia e a poupança feita pelas famílias nesse período. “O consumidor pode ter um excesso de poupança que veio do fiscal na pandemia, e o mercado de trabalho ainda segue forte”, afirma Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “Nos Estados Unidos, o ponto final é a recessão, mas pode ser que ela demore por causa dessa força do consumidor.”

 

Sem recessão

 

Nos EUA, mesmo com a alta das taxas de juros, o cenário de recessão tem sido postergado sucessivamente. Já foi projetado para ocorrer no segundo trimestre de 2023. Agora, a previsão é mais para o fim deste ano ou início de 2024. “Chegamos a ter um PIB para os Estados Unidos que era de um crescimento perto de 0,3%, 0,5%. Hoje, estamos com um PIB mais para 1%, podendo até ser mais do que isso”, afirma Fernando Honorato, economista-chefe do banco Bradesco.

 

Em 2023, o mundo também se beneficiou da rápida reabertura da China, que abandonou a sua política de covid zero. “Esse movimento de reabertura foi agressivo, puxando as projeções de crescimento do país, que hoje estão próximas de 6%”, diz Eduardo Jarra, economista-chefe da Santander Asset Management.

 

Para os próximos meses, no entanto, existe uma dúvida entre os economistas sobre a capacidade chinesa de manter um bom ritmo de crescimento. “Com os dados que temos, imaginamos uma desaceleração no segundo trimestre, mas um crescimento acima da capacidade potencial.”

 

Na história recente do comércio exterior brasileiro, a China desempenha um papel fundamental. É uma grande importadora de produtos básicos, como soja e minério de ferro, e se transformou no principal parceiro comercial do Brasil.

 

A economia brasileira começou a registrar robustos resultados comerciais no início dos anos 2000, quando o gigante asiático ingressou no comércio internacional e passou a crescer de forma mais acelerada – em alguns anos, o avanço do PIB superou 10%. De 2001 a 2022, as exportações de produtos básicos do Brasil cresceram de US$ 23,8 bilhões para US$ 158,9 bilhões, de acordo com dados tabulados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

 

Hoje, os sinais de desaceleração da economia global levam a uma queda nos preços, que subiram de forma acelerada depois de superada a fase mais aguda da crise sanitária. O Brasil, no entanto, tem conseguido compensar essa redução com o aumento na quantidade de produtos vendidos. O País colheu uma supersafra de grãos e é dono de um agronegócio que se destaca pela sua elevada produtividade.

 

“O Brasil está performando bem por conta própria, pelos próprios méritos”, afirma Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset. “Houve um choque de oferta no setor exportador. É o que chamo de milagre de multiplicação. Consegue dar uma turbinada no PIB, simultaneamente alivia a inflação e beneficia as contas externas.”

 

Nos últimos anos, a subida da cotação das commodities ajudou a colocar o comércio internacional do País em outro nível. Um estudo feito pelo Bradesco mostra que o peso da corrente de comércio (soma da importação e exportação) no Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou a marca de 30% desde 2021, o maior patamar desde o início da série histórica, em 1960 – em média, essa relação sempre rondava os 20%.

 

“É verdade que esse movimento foi fruto do efeito da explosão de preços na pandemia, mas o fato é que houve um efeito multiplicador no crescimento da economia”, avalia Fernando Honorato, economistachefe do Bradesco. “Parte importante da surpresa de crescimento tem a ver com o fato de a força do preço das commodities ter sido subestimada.”

 

Os resultados da balança comercial devem contribuir para melhorar o resultado do setor externo brasileiro como um todo. De acordo com o Itaú, o déficit em conta corrente do País deve recuar dos atuais 2,7% do PIB no acumulado em 12 meses para 1,7% no fim de 2023. “É um número melhor do que a média recente. Nos últimos três anos, ficou ao redor de 2,5% do PIB”, afirma Julia Passabom, economista do banco.

 

O setor externo brasileiro também se beneficia de uma situação confortável no volume de investimentos diretos no País (IDP). Em 12 meses até abril, o IDP somou US$ 82 bilhões (4,17% do PIB), um pouco abaixo do apurado em março (US$ 89,7 bilhões ou 4,57% do PIB), mas muito superior ao verificado em abril de 2022 (US$ 54,3 bilhões ou 3,12% do PIB).

 

“Bem ou mal, o Brasil se livrou dos desequilíbrios externos há algum tempo”, diz Honorato, do Bradesco. “Hoje, o nosso déficit, comparativamente ao dos países da América Latina, não chega a chamar tanta atenção.”

 

“Nova Suiça”

 

Nas últimas semanas, os resultados da balança comercial levaram o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, a afirmar que o Brasil caminha para se tornar “a Suíça da América Latina”. “Está surgindo um enorme superávit comercial, diferente de qualquer outro país da região”, publicou o economista no Twitter.

 

Hoje, para a economia brasileira continuar a atrair recursos e se beneficiar de um cenário internacional mais positivo, os analistas dizem que é preciso reduzir as incertezas internas, melhorar o ambiente de negócios e reforçar a agenda ambiental. “É um governo percebido pela comunidade internacional como tendo um compromisso com o meio ambiente. Para o fluxo futuro, isso deve ser importante”, diz o economista-chefe do Bradesco. (O Estado de S. Paulo/Luiz Guilherme Gerbelli)