O Estado de S. Paulo
“Por três anos, o mercado automotivo nacional andou de lado, enquanto as vendas globais encolheram. Foi um período difícil, marcado pela pandemia e seus efeitos em cascata, em especial a crise global dos semicondutores. Contudo, chegou a hora de deixar tudo isso para trás e pensar no futuro sob novas bases de reflexão. Profundas mudanças no modelo de negócio da mobilidade já estavam em curso há alguns anos. Agora, novos elementos trazidos pela crise sanitária e pela guerra na Ucrânia aumentaram o senso de urgência. Há oportunidades geopolíticas únicas para o Brasil que não podem ser desperdiçadas. Se hoje o nome do jogo é “nova industrialização”, o sobrenome é “descarbonização”. Ambos se complementam, um impulsiona o outro. A junção dos dois conceitos pode ser entendida como a reinvenção da indústria automobilística, com foco total na oferta da mobilidade com responsabilidade ambiental.
Descarbonização
Nessa ótica do baixo carbono e da sustentabilidade, o Brasil apresenta vantagens competitivas espetaculares que podem colocar nossa indústria numa posição de ainda mais destaque em termos globais. O veículo elétrico é, sem dúvida, uma brilhante solução e deve ter sua produção local estimulada, assim como outras rotas tecnológicas. Um País de matriz energética limpa como o Brasil permite a entrega de múltiplas soluções de propulsão, todas compromissadas com a descarbonização, para demandas específicas de diferentes grupos consumidores. Temos recursos minerais necessários para produção local de baterias e outros componentes de veículos elétricos. Temos fontes limpas de geração de eletricidade. Temos a maior expertise do planeta em termos de biocombustíveis, e o etanol já vem dando mostras de que pode ser um forte aliado à eletrificação na busca da descarbonização do poço à roda, seja em veículos híbridos, seja na viabilização de modelos movidos a célula combustível. Além das vantagens incomparáveis, em termos de recursos naturais, e de um enorme e moderno parque industrial, o Brasil deve aproveitar a nova configuração geopolítica global, na qual os países mais industrializados buscam parcerias com mercados mais próximos, em termos geográficos, e mais amigáveis, em termos de segurança e previsibilidade. E aqui me refiro não ao fornecimento de matérias-primas, mas sim de produtos industrializados e tecnologias sofisticadas.
Novas oportunidades
Tomo como exemplo o lítio, minério que temos em abundância e é um dos mais requisitados pelos fabricantes de baterias. Por que não produzir localmente essas baterias e exportá-las com alto valor agregado, em vez de apenas exportar commodities? E inclusive usá-las na produção local de veículos elétricos e híbridos? Por que não produzir localmente semicondutores, um item eletrônico estratégico para toda indústria de ponta? Por que não aumentar os investimentos em motores a biocombustíveis e exportar essa solução fantástica para a redução nas emissões de CO2, em combinação com a eletrificação? A revolução tecnológica e a corrida pelo baixo carbono geram oportunidades incríveis para que o Brasil amplie sua tradição como polo automotivo mundial. Temos parques industriais de primeiro mundo, mão de obra e engenharia qualificadas, e centros de desenvolvimento e design avançados. Temos de fortalecer nossa histórica vocação industrial com um olhar estratégico para o futuro. A promoção de uma indústria como a automotiva, que possui características de forte indução de geração de empregos qualificados, de desenvolvimento social e econômico em múltiplos setores da economia, é fundamental para a aceleração do crescimento e um futuro melhor para o nosso País e sua população. A nova industrialização e o adensamento das cadeias produtivas locais tornam-se ainda mais urgentes. O Brasil precisa ocupar seu lugar de destaque num mundo cada vez mais tecnológico. Isso demanda planejamento, foco e previsibilidade, e só pode ser obtido com visão de futuro, muito diálogo e harmonia entre as várias esferas do poder público e do setor privado. (O Estado de S. Paulo/Márcio de Lima, Presidente da Anfavea)