Crescimento do mercado de usados ajuda, mas não resolve todos os problemas do Aftermarket

Portal da Autopeças/Novo Varejo

 

Queda no poder de compra da população, juros altos e inadimplência das famílias em patamares recorde. A conjuntura socioeconômica do país tem produzido a tempestade perfeita para uma estagnação na venda e na fabricação de carros 0km – e a este cenário ainda é somado o desabastecimento não solucionado dos semicondutores.

 

Uma curva inversamente proporcional, porém, tem sido observada no mercado de veículos que se enquadram nas categorias usados e seminovos.

 

A conjuntura positiva deste enquadramento esteve em evidência no último relatório da FENAUTO (Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores). O estudo da entidade revelou crescimento acentuado no comparativo anual em todos os segmentos – desde os automóveis (20,4%) até os comerciais leves e pesados (11,2% e 9,2%).

 

Os resultados positivos não se limitam, no entanto, à comparação entre meses idênticos de 2023 e 2022. Eles podem ser observados também no levantamento mês a mês: de janeiro para fevereiro, a média de vendas por dia útil de seminovos e usados cresceu 24,4%. De acordo com o presidente da FENAUTO, Enilson Sales, as altas recentes dos usados não se limitam à condição econômica brasileira e a diferença dos preços em relação aos carros 0km, mas trazem também outros componentes importantes. “Quando olhamos para o mercado de 0km, vemos que não há disponibilidade de veículos em todas as cores, versões e modelos – sendo que esta variedade de ofertas por parte das montadoras e concessionárias sempre foi um diferencial do carro novo. Por outro lado, com o advento da internet, ficou mais fácil de se procurar seminovos e usados com características parecidas com aquela que se deseja”, conjecturou o dirigente.

 

Quanto mais velho, melhor

 

Apesar da curva ascendente nas vendas atingir todos os seminovos e usados em alguma medida, ao observarmos os dados da FENAUTO em detalhes, uma informação reveladora salta aos olhos: a preferência nacional pelos chamados ‘velhinhos’. Há algum tempo a frota brasileira já está em envelhecimento contínuo e, no último levantamento, atingiu a idade média recorde de 10 anos e 3 meses. No que depender da fotografia dos dados de 2023, este movimento irá seguir o curso atual. Isso porque ao compararmos seminovos (0 a 3 anos), usados jovens (4 a 8 anos), usados maduros (9 a 12 anos) e velhinhos (13 anos ou mais), a última categoria é a única a ultrapassar uma margem de crescimento de 25% tanto no comparativo mensal quanto no anual.

 

Ao comentar as razões para este sucesso especial no caso dos carros mais velhos, Sales destacou o fato destes estarem mais ajustados à capacidade de compra do brasileiro. “O consumidor de renda mais baixa tem muito mais opções nesta categoria. Além disso, ela abrange um espectro muito largo de consumidores. Afinal, estamos falando de pessoas das classes C e D – e até um pouco da classe B. Ou seja, você pega um range muito largo de pessoas. Para mim este é o ponto principal”, afirmou o presidente da FENAUTO, antes de complementar mencionando uma característica cada vez mais em voga no mercado de trabalho: “Além disso, esta categoria facilita a compra para o chamado ‘público informal’, que não tem renda comprovada ou que é dono de microempresa.

 

E o Brasil tem visto esta população crescer bastante nos últimos anos”. Ao observar que a situação econômica conturbada do país tem sido o principal vetor do boom de seminovos e, sobretudo, usados, profissionais do aftermarket podem enxergar a atual crise e as incertezas que a cercam com olhares positivos. Na opinião de Sales, porém, o que já é bom para o setor pode ficar ainda melhor caso o Brasil avance em políticas que ofereçam maior estabilidade neste âmbito. Segundo ele, caso alcancemos este nível de mais segurança e estabilidade, o mercado tende a ‘decolar’.

 

Caso ocorra o contrário e o Governo Federal opte por aquilo que ele chamou de ‘começar com alguma loucura’, o comércio de usados e seminovos terá uma desaceleração progressiva.

 

Diante dessas condicionantes apresentadas por Sales, os questionamos sobre suas expectativas para os próximos meses, levando em consideração suas observações a respeito da progressão do comportamento do consumidor e dos indicativos oferecidos pelo poder público quanto à condução das diretrizes de nossa economia.

 

Otimista, o presidente da FENAUTO afirmou esperar uma trajetória de continuidade – algo que, em sua visão, será muito positivo para o setor de venda de automóveis usados e seminovos. “Nossa expectativa é que continuemos fortes em termos de comércio dos veículos das categorias que representamos. Eu não espero uma performance de 22%, como estamos espelhando nos primeiros meses. Mas eu diria que, seguramente, teremos um crescimento ao longo dos próximos três meses – e, a partir daí, a gente vai avaliar onde estamos, sempre a depender da política do Governo”, concluiu Sales.

 

Próximos dias serão decisivos para a condução da economia nacional

 

Ao comentar os próximos passos do mercado de usados e seminovos no país, Enilson Sales colocou ênfase especial na dependência do setor em relação à condução econômica por parte do Governo Federal.

 

Como pano de fundo de sua preocupação – compartilhada por boa parte dos dirigentes e empresários dos mais diversos setores – está uma espécie de queda de braços travada pelo Governo e o Banco Central do Brasil (BC), instituição que, desde 2021, tem sua autonomia garantida por lei. No centro do impasse está a demarcação da taxa básica de juros, a Selic, atualmente no patamar de 13,75%.

 

Como é tradicional, o mecanismo tem sido usado pelo BC para controlar a inflação – estratégia que contraria a visão da atual equipe do Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, que entende que, ante o cenário atual, já seria possível promover uma redução da Selic, o que, na opinião do Governo, serviria para incentivar um aquecimento da economia.

 

Nas próximas semanas, Haddad e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, devem ter um encontro no Senado Federal para discutir o assunto. Vale destacar que, antes do agendamento deste encontro, ainda sem data para acontecer, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um convite para que, no próximo dia 4 de abril, Campos Neto preste explicações sobre a atual taxa básica de juros da economia.

 

Crescimento da venda de usados e seminovos não apaga problemas enfrentados pelo aftermarket automotivo

 

A noção de que o envelhecimento e o aumento da frota circulante de usados e seminovos traz benefícios para os mais diversos elos da reposição de automóveis é quase um senso comum entre os players do setor. Entretanto, o fato desta conjuntura em tese positiva vir acompanhada de uma crise econômica tanto no âmbito das famílias quanto no do empreendedorismo tem trazido problemas que, se não neutralizam por completo, arrefecem os motivos de comemoração do aftermarket. Para medir os impactos destas forças conflitantes do setor, nada melhor do que conversar com os reparadores – aqueles que estão na ponta do trade, lidando diariamente tanto com distribuidores e varejistas quanto com o consumidor final. Pensando nisso, c o n v e r s a m o s com o presidente do Sindirepa Brasil e do Sindirepa-SP, Antonio Fiola.

 

Novo Varejo Automotivo – O mercado de seminovos e usados está em crescimento. Este cenário tem impactado a reparação automotiva de alguma maneira?

Antonio Fiola – O crescimento da frota circulante sempre movimenta o setor de reparação de veículos e esse crescimento atual dos seminovos vai impactar mais para frente. A reposição tem crescimento estável e constante. Esse crescimento dos seminovos se dá por conta da retração das vendas de veículos novos, movimento que acaba levando ao envelhecimento da frota, que é um fator positivo para a reposição. Atualmente, a idade média da frota ultrapassa 10 anos para veículos leves. A pandemia contribuiu para o aumento devido à falta de componentes eletrônicos para a fabricação de veículos novos.

 

Novo Varejo Automotivo – Muito do crescimento do mercado de usados e seminovos se deve à diminuição do poder de compra dos brasileiros. Qual é o impacto desta outra faceta da conjuntura atual na reparação?

Antonio Fiola – Sim, a queda do poder aquisitivo acaba afetando no tíquete dos serviços de reparação do veículo. O consumidor tende a fazer apenas o que é estritamente necessário para rodar com o carro e posterga outros serviços, priorizando somente o que é essencial.

 

Novo Varejo Automotivo – Aliás, sobre esta última questão: como você tem visto a disposição dos consumidores em realizar a manutenção preventiva no lugar de aguardar uma possível quebra para recorrer a uma oficina?

Antonio Fiola – A cultura do brasileiro não é de fazer manutenção preventiva, há necessidade de conscientização sobre os benefícios que a prática oferece, como economia de custo e também de consumo de combustível. Se o governo tivesse um há na Europa e outros países, seria medida de estímulo para que as pessoas fizessem manutenção preventiva nos veículos. Essa iniciativa ajudaria também a garantir a segurança veicular, uma vez que a falta de manutenção é um dos problemas que agravam as elevadas estatísticas de acidentes de trânsito no Brasil.

 

Novo Varejo Automotivo – Temos tido uma crise de crédito no país devido à alta taxa de inadimplência das famílias. Como a reparação tem se articulado para oferecer serviços a prazo, sem se expor demasiadamente à inadimplência?

Antonio Fiola – O setor sofre com perda de oferta de crédito. O parcelamento no cartão é a forma mais usual nas oficinas, mas não dá para estender muito. Precisamos de suporte de instituições financeiras que viabilizem isso para as empresas.

 

Novo Varejo Automotivo – Ainda sobre crédito, oficinas têm conseguido se articular junto ao varejo de autopeças para realizar compras a prazo a fim de não se descapitalizar em caso de realização de serviços parcelados junto ao consumidor final? Houve alguma dificuldade adicional nos últimos meses?

Antonio Fiola – Temos os prazos já estabelecidos com varejos parceiros que também pouco podem fazer para prolongar prazos. É necessário a ajuda de uma financeira que pudesse atuar no varejo e oficinas, que são as ponta da cadeia e que mais sofrem com a falta de crédito especializado. O varejo também sofre o mesmo problema que as oficinas. Para se ter uma ideia de como esse problema afeta a cadeia, há oficinas optando por comprar diretamente das concessionárias por causa do parcelamento em 12 vezes no cartão de crédito, o que facilita a gestão de fluxo de caixa. (Portal da Autopeças/Novo Varejo/Lucas Torres)