O Estado de S. Paulo
A produção de caminhões registrou queda neste início de ano por causa de mudanças nas regras ambientais sobre poluição de motores a diesel. Em janeiro e fevereiro foram produzidas 12,2 mil unidades, 41,6% a menos do que no primeiro bimestre de 2022, mostram dados da Anfavea, entidade que representa a indústria automotiva, divulgados no último dia 6.
O movimento tem potencial para impactar momentaneamente o resultado da indústria, mas não deve configurar tendência que afete o comportamento esperado para os investimentos no País este ano, que já era fraco, avaliam especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
A mudança nas regras sobre a poluição fez diferença porque provocou uma antecipação da produção. Com os juros elevados pesando sobre a demanda, as perspectivas da Anfavea para este ano são de queda de 20% na produção e de 11% nas vendas de veículos pesados.
Houve antecipação na produção porque os motores do novo padrão, euro 6, são mais caros, tanto para produzir quanto no preço final ao consumidor. Assim, os fabricantes correram para produzir caminhões com os motores do padrão anterior, o euro 5, dentro do prazo até 31 de dezembro.
A partir de janeiro deste ano, caminhões com motores euro 5 não podem mais ser produzidos, mas eles ainda podem ser vendidos até 31 de março, conforme as regras do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Com isso, antes do tombo do primeiro bimestre deste ano, a produção tinha crescido 16,5% em dezembro ante igual mês de 2021, com um total de 14,4 mil unidades. Em novembro, o crescimento tinha sido de 5,2%, mostram os dados da Anfavea.
Férias coletivas
Após a corrida para fabricar caminhões com os motores euro 5 no fim do ano passado, as indústrias deram férias coletivas em janeiro. As paradas também eram necessárias para fazer adaptações nas linhas de produção, exigidas pela mudança na tecnologia dos motores, afirmou o presidente da Volkswagen Caminhões e Ônibus, Roberto Côrtes. A empresa deu dez dias de férias coletivas em sua fábrica em Resende, no sul fluminense.
“Em novembro e dezembro, nos dedicamos à produção para que não perdêssemos nenhum veículo. O que iríamos fazer com as peças se não produzíssemos? O foco total foi produzir o euro 5″, disse Côrtes.
Segundo o executivo, a antecipação da produção reagiu também à demanda. Os próprios clientes correram para fazer pedidos ainda com o padrão tecnológico anterior. Agora, a partir de fevereiro, com as linhas já adaptadas, Côrtes vê uma recuperação gradual do ritmo de produção.
“Esperamos que o mercado vá se acomodar nos próximos meses com essa nova tecnologia, que, aliás, traz mais economia e mais eficiência, além de ter uma melhora em termos de emissão de poluentes muito grande. Óbvio, como contrapartida dessas vantagens, os caminhões têm um preço inicial que vai de 10% a 20% a mais, mas ele se paga com a melhor eficiência”, disse Côrtes.
O tombo na fabricação de caminhões é mais um sinal negativo para o desempenho da indústria e para os investimentos neste início de ano. Segundo Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, como o tombo da produção será maior do que a queda nas vendas, o impacto negativo será maior sobre a indústria de transformação. Os investimentos também sofrerão, mas com uma queda mais moderada.
Efeito semelhante ocorreu na passagem de 2011 para 2012, também quando mudanças nas regras do Proconve exigiram a utilização de motores a diesel menos poluentes. Por causa da antecipação da produção no fim de 2011, a produção tombou 40,5% em 2012, conforme a Anfavea.
Segundo Côrtes, da Volkswagen Caminhões e Ônibus, as mudanças de mais de dez anos atrás foram maiores. Isso porque o salto tecnológico dos motores euro 5, introduzidos a partir de janeiro de 2012, era maior do que o que ocorre agora, com a introdução do padrão euro 6.
O cenário de juros também foi diferente em 2012. Após uma reviravolta que pegou o mercado de surpresa em setembro de 2011, quando o Banco Central (BC) cortou a taxa básica Selic de 12,5% ao ano para 12,0% ao ano, os juros entraram em ciclo de queda em 2012. A Selic começou aquele ano em 11,0% ao ano e terminou em 7,25%.
Para os investimentos em caminhões, então, havia juros ainda melhores. No auge da expansão do crédito subsidiado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) baixou as taxas da Finame, a linha para bens de capital, de 10% ao ano, no início de 2012, para 2,5%, no fim daquele ano.
Queda em 2022
No ano de 2022, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os investimentos no Produto Interno Bruto (PIB), subiu 0,9% em relação a 2021. O resultado foi impulsionado pela alta de 6,1% na construção e de 14,0% dos outros ativos (que incluem pesquisa e desenvolvimento, por exemplo). Já o componente máquinas e equipamentos, que inclui os investimentos em caminhões, recuou 7,3%, apesar da antecipação da produção pelas montadoras.
“As perspectivas de investimentos para 2023 são muito ruins. O governo, que é um investidor importante via construção, está um pouco fora da jogada. O que está sendo anunciado agora de Minha Casa Minha Vida já foi construído antes, não foi produzido agora”, lembrou Claudio Considera, coordenador de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Considera pondera que o bom desempenho da construção no ano passado ainda é reflexo de contratações antigas, mas reconhece que uma eventual retomada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) poderia ajudar resultados futuros, diz Considera.
O pesquisador Leonardo Mello de Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também vê pouca influência de fatores pontuais, como a questão dos caminhões, sobre o desempenho da FBCF no ano. Segundo ele, o cenário fiscal, por exemplo, pode ser mais relevante para a tomada de decisão sobre investimentos. Se a conjuntura estiver favorável, ele acha possível que o setor agropecuário e as indústrias extrativas voltem a demandar caminhões em 2023, compensando a queda na produção ocorrida no primeiro bimestre.
“Talvez seja algo mais temporário do que tendência”, disse Carvalho. “Movimentos pontuais, como a troca de motor (de caminhões), têm menos importância no desempenho do ano”. (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim e Vinicius Neder)