O Estado de S. Paulo
Sem diagnóstico completo não há terapia adequada. E isso vale para a indústria.
Durante décadas, a desidratação da indústria foi atribuída a uns poucos fatores, que nunca conseguiram explicar tudo: ao excessivo custo Brasil, aos juros altos demais ou ao câmbio supervalorizado. Não dá para negar relevância a essas causas, especialmente ao elevado custo da infraestrutura, à carga tributária confusa e excessiva e ao estrangulamento pela burocracia.
No entanto, é preciso olhar as coisas com mais abrangência. A indústria brasileira também foi beneficiada pelo grande mercado interno, pela existência de um forte Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por uma política protecionista, que garantiu reservas de mercado, tarifas alfandegárias e uma tolerância a prolongamentos de dívidas tributárias pelo Refis – que permitiu uma sucessão de versões, uma emendada na anterior, como a compulsão do tabagista que acende um cigarro no outro.
É inevitável admitir que o excesso de proteção é uma das causas do enfraquecimento da indústria, porque desestimulou investimentos em tecnologia e atrofiou sua capacidade de competir. Intimamente ligados a ela estão o baixo acesso ao mercado externo e a crônica intolerância a acordos comerciais, que necessariamente exigem progressiva redução de tarifas alfandegárias e, portanto, redução da proteção. Mas o diagnóstico não estaria completo se não considerarem outros fatores que levaram ao encolhimento da indústria de transformação no PIB brasileiro.
O primeiro deles é puramente estatístico. Em todo o mundo cresceu a participação do setor de serviços no PIB. Vivemos uma era de preponderância dos serviços. No Brasil, desde o início dos anos 2000, o setor corresponde por mais de 65% do PIB. Além disso, segmentos inteiros da indústria podem ser considerados operações de serviços, como acontece com as montagens.
O outro fator é o que pode ser chamado de fator China. Nos últimos 30 anos, a indústria asiática passou a competir com o resto do mundo com custos substancialmente mais baixos de mão de obra, de emprego de tecnologia e de crédito. Em consequência disso, passou a atrair capitais e transferências de indústrias inteiras antes instaladas nos Estados Unidos e na Europa. O atual surto protecionista nas economias avançadas do Ocidente tem aí uma de suas explicações.
A principal moral dessa história para o governo Lula é que não se pode mais pretender a recuperação da indústria com recursos aos instrumentos convencionais. Será preciso promover acordos comerciais para criar mercados e levar em conta a forte competição da China e dos demais tigres asiáticos. Isso, por sua vez, implica fazer escolhas. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)