É preciso capacitar profissionais para a eletromobilidade

O Estado de S. Paulo/Mobilidade

 

Não é novidade que o mercado de trabalho está mudando, e todos os dias novas profissões surgindo. Isso se dá por diversos fatores, como criação e implementação de novas tecnologias, quebra de paradigmas técnicos e socioculturais e aproximação de áreas do conhecimento e setores da economia antes desconectados.

 

Quando se fala de eletromobilidade, não é diferente. A transição com base no setor automotivo como o conhecíamos está em incorporar os fatores acima por meio de tecnologias de conectividade e propulsão não poluentes; criação de novas profissões de intersecção e interface com outros setores; e transformação contínua de mindset de pessoas, governos e corporações.

 

Nesse cenário, a capacitação profissional tem papel fundamental na preparação de novos e melhores recursos humanos capazes de absorver, dominar, replicar e criar tecnologias habilitadoras e infraestruturas complementares para uma mobilidade mais consciente e sustentável.

 

Segurança em foco

 

Apesar de o conceito e as tecnologias de propulsão elétrica não serem novos, a evolução destes em busca de maior eficiência, confiabilidade e viabilidade econômica traz consigo novos riscos ocupacionais, sobretudo físicos, químicos e acidentais. Eles estão diretamente relacionados à operação dos sistemas de propulsão em níveis mais elevados de tensão do que os veículos convencionais, à presença de grandes quantidades de energia armazenada em sistemas eletroquímicos (baterias) e à natureza das tecnologias utilizadas hoje (sensíveis a abusos elétricos e térmicos, principalmente).

 

Essas particularidades levam à necessidade de novas capacitações e certificações profissionais, desde cursos de aperfeiçoamento até pós-graduações, a fim de garantir a evolução do segmento e suas tecnologias, bem como a segurança de usuários e profissionais envolvidos em todas as etapas do processo – de pesquisa e desenvolvimento, fabricação, manutenção e, até mesmo, futuro descarte e reciclagem de veículos e seus componentes.

 

Falta de treinamento da indústria

 

Essa é uma preocupação atual mesmo para mercados internacionais onde a mobilidade elétrica já atingiu maior abrangência. Devido à ausência de normas, de programas de certificação e à escassez de conhecimento, quando houve o ressurgir da eletromobilidade, em meados dos anos 2000, fabricantes de veículos criaram programas próprios de capacitação, voltados para a fabricação e a manutenção em redes autorizadas.

 

Porém, a pressão pela redução da emissões globais dos transportes, que levou a frota mundial de veículos elétricos de 17 mil, em 2010, para mais de 17 milhões, em 2022 (segundo dados da Agência Internacional de Energia), e a crescente expansão, nos últimos três anos, para mercados até então menos expressivos (como Brasil e Índia), evidenciaram a falta de capacidade da indústria de treinar a cadeia automotiva inteira, principalmente, com base no pós-venda, quando o veículo escapa ao alcance da rede autorizada.

 

Apesar de não haver padronização internacional a respeito das atividades envolvendo veículos elétricos, adota-se como referência a informação técnica alemã DGUV 209-093, que propõe quatro níveis de qualificação (estipulando conteúdo e carga horária), de acordo com a exposição à alta tensão veicular no ambiente de trabalho e as qualificações iniciais do profissional.

 

Parcerias público-privadas

 

Nesse sentido, várias instituições nacionais públicas e privadas – universidades, institutos de ciência e tecnologia e escolas técnicas – já vêm atuando de forma proativa na capacitação de docentes, preparação de infraestrutura e articulação de parcerias público-privadas, tanto com a indústria automotiva quanto instituições estrangeiras, a fim de diminuir a lacuna de conhecimento necessário e o tempo de resposta para suportar a consolidação gradativa da eletromobilidade no País.

 

Dentre as muitas iniciativas, podemos citar a criação de centros de formação profissional dedicados ao tema, diversos cursos de pós-graduação (lato sensu), programas e editais de formação técnica em veículos elétricos, missões técnicas internacionais de certificação, consultorias para estruturação de infraestrutura, seminários e fóruns, dentre outras ações relevantes.

 

Transformar e consolidar uma nova mobilidade no Brasil não é tarefa de curto prazo e tampouco será resolvida com ações isoladas e superficiais. Para além da necessária renovação e expansão da cadeia de suprimentos tão citada, há uma urgência pela atualização de cursos já existentes e a criação de novos que preparem o mercado, mesmo que antecipadamente, para a demanda. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Valério Mendes Marochi, pesquisador do Instituto SENAI de Inovação em Eletroquímica e Curador do Planeta Elétrico)