O Estado de S. Paulo
A perda de importância da indústria de transformação na economia brasileira é generalizada. Praticamente todos os ramos industriais, 12 dos 14 investigados, reduziram sua participação na economia desde a década de 1990, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
O fenômeno de perda de relevância é anterior ao choque provocado pela pandemia de covid-19. Considerando a média de participação nas três últimas décadas, a indústria de alimentos e bebidas reduziu sua fatia no Produto Interno Bruto (PIB) de uma média de 2,9% de 1990 a 1999 para 2,7% de 2000 a 2009, tombando a 2,2% de 2010 a 2019.
No mesmo período, a indústria têxtil viu sua contribuição encolher de 1% para 0,5% e, depois, a apenas 0,3%; a de artigos de vestuário e acessórios passou de 1% a 0,6% e 0,5%; e a indústria de siderurgia e metalurgia desceu de 1,7% para 1,5% e depois a 1,3%.
As únicas exceções entre as 14 atividades pesquisadas foram os segmentos de veículos e calçados, que tampouco registraram expansão significativa. O ramo de veículos, peças e outros equipamentos de transportes passou de uma fatia média de 1,1% entre os anos 1990 a 1999 para 1,4% de 2000 a 2009, caindo a 1,2% de 2010 a 2019. No mesmo período, o segmento de artefatos de couro e calçados saiu de 0,3% para 0,4%, e retornando a 0,3% no último período.
“Não há um gênero industrial enfrentando isso, mas todos os gêneros industriais”, diz Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Ibre/FGV.
Para Considera, a perda de relevância da indústria de transformação na economia brasileira é reflexo de uma menor competitividade internacional, fenômeno que permitiu que produtos industriais importados abastecessem a demanda doméstica e que os manufaturados brasileiros perdessem mercados estrangeiros para concorrentes de outros países.
“A indústria de transformação como um todo tem tido queda de produtividade há muito tempo. Isso tem a ver com máquinas menos eficientes, treinamento ineficaz de trabalhadores, alcance da educação, problemas estruturais”, afirmou Considera.
A indústria de transformação produzia R$ 80.366,99 por trabalhador do setor no ano 2000, mas essa produtividade desabou a R$ R$ 69.438,77 no ano de 2019, calculou a FGV.
Entre os assalariados, grupo que engloba os funcionários formais e informais, a produtividade saiu de R$ 94.438,17 em 2000 para R$ 89.350,79 por trabalhador ocupado em 2019. Já entre os autônomos, o valor tombou de R$ 24.082,28 em 2000 para R$ 10.221,93 em 2019.
A diferença de produtividade entre as categorias de trabalhadores é justificada pelo fato de os assalariados atuarem em empresas organizadas, com maior estoque de capital, ou seja, máquinas e equipamentos, enquanto os trabalhadores autônomos atuam de maneira artesanal e manual, por exemplo.
As Contas Nacionais Trimestrais mostram que a indústria de transformação respondia por 18,1% do PIB brasileiro no ano 1990, participação que encolheu a 12% em 2019, descendo a 11,3% em 2021, último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As perspectivas para este ano não são muito animadoras, considerando os dados de desempenho já divulgados.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) calcula, com base nas informações da Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF) do IBGE, que a indústria de transformação brasileira acumulou uma queda de 3,7% na produção de janeiro a abril de 2022, em relação ao mesmo período do ano anterior. Nos 12 meses terminados em abril, o recuo acumulado é de 0,5%.
“A indústria de transformação move um País. Ou você tem isso ou não tem como puxar uma economia atrás de você”, disse Claudio Considera.
O pesquisador, que assina o artigo do Ibre/FGV ao lado de Isabela Kelly e Juliana Trece, lembra que é natural que a melhora na renda da população faça a participação dos serviços no PIB avançar sobre a da indústria em países desenvolvidos.
No entanto, ele ressalta que essa trajetória começou no Brasil sem que a renda per capita atingisse um nível satisfatório, que tornasse a tendência em um movimento benigno.
“São repletas de evidências que a economia brasileira só crescerá com melhorias na indústria de transformação. Para isso será necessária uma política de fortalecimento tecnológico que possibilite inovações com o consequente aumento de sua produtividade já há muito estagnada”, escreveram os pesquisadores no estudo do Ibre/FGV. (O Estado de S. Paulo/Daniela Amorim)