Meio & Mensagem
Levantamento realizado pelo Instituto Locomotiva, em parceria com o Data Favela e a Centra Única das Favelas (Cufa), revela que 8% da população brasileira reside em favelas, o que representa mais de 17 milhões de pessoas. Do alto contingente, vem também um grande grupo com potencial de consumo e, consequentemente, de audiência.
Um nicho pouco explorado pela grande mídia é a aposta do jornalismo independente. A criação de veículos voltados para a periferia e comunidades, no geral, retrata um cotidiano que escapa dos olhares da cobertura jornalística de meios de comunicação de massa. Nascida em 2010, oficialmente lançada em 2015 e expandida em 2018, a Agência Mural se posiciona como agência de notícias, de informação e de inteligência sobre as periferias das cidades da Grande São Paulo, as quais se estendem para além do centro político-econômico paulistano.
O ponto de destaque é o corpo que realiza a cobertura: o jornalismo na Agência Mural é feito por rede de 60 correspondentes espalhados pelas periferias de São Paulo, dos quais 20 trabalham diretamente na instituição diariamente. “As complicações vêm de manter uma organização como a nossa em pé. Os desafios são ter recursos financeiros para sempre pagar a equipe e ter estrutura, principalmente para que o time continue trabalhando”, diz Anderson Meneses, cofundador e diretor de negócios e tecnologia da Agência Mural.
Uma vez que surgiu de forma independente, a organização ganhou pontos por ser veículo nichado, o que faz com que conte com um público já bastante fidelizado. “Temos relevância no nosso universo e as marcas conseguem olhar para isso e entender mais essa relevância”, comenta Meneses. “Quando falamos de comunicação para nicho e direcionada, a Mural e outros veículos do tipo estão falando com audiência engajada”, completa.
Os anunciantes têm começado a ver potencial nas periferias sob o ponto de vista de protagonismo. É o que acredita Marx Rodrigues, CEO da +FavelaTV, parte da Sou+Favela, companhia de soluções de mídia criada para conectar o universo empresarial à periferia. A quebra de paradigma em relação a essa população foi um “divisor de águas na publicidade”, uma vez que as entregas comerciais desse campo, antes dissociadas, agora são relacionadas a políticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG) com retornos satisfatórios, diz Rodrigues. “Com a evolução do mercado digital e o encurtamento que as redes sociais trouxeram, começaram a surgir estrelas da música de favela e influenciadores”, exemplifica. “Já não se tem mais uma percepção de que os canais de comunicação tradicionais conseguem assertivamente trazer mensagem para esse espectador. Quando temos uma tônica a mais nesse processo, que é o ESG, temos em um só espaço olhar e política mais inclusivista e de diversidade”, acrescenta o CEO.
Operação independente
Endossando o ponto de vista do porta-voz da Agência Mural, entre os obstáculos elencados por Rodrigues na atuação independente está, justamente, a falta de verbas em comunicação. Tanto no âmbito público quanto no privado. O fato esbarra ainda em levar às agências e anunciantes a compreensão de que a atuação nesses espaços garante quase que 100% de entregas.
Embora exista um caminho longo a ser percorrido, a evolução já pode ser notada entre os players do mercado. “Temos visto mudança das marcas que não se colocavam nesse lugar e não se viam como servidores de um propósito público, mas só da economia do capital”, declara o cofundador da Agência Mural. Que salienta também que há transformação de mentalidade das empresas e marcas de se perceber como parte da humanidade. 2021 foi um bom ano para a organização nesse sentido, que foi procurada por diversas marcas para a realização de projetos conjuntos. Um deles foi feito junto à 99, com a temática da mobilidade.
Meneses explica que a Mural passa por um momento de ser menos receptivo e mais proativo em buscar contato com anunciantes. Para que a comunicação seja mais alinhada e efetiva, com objetivos e estratégias claras, a equipe da agência prepara planejamento anual para entender quais projetos editoriais estabelecem conexão entre acontecimentos globais e a periferia. E afirma que há um problema estrutural em relação ao comportamento da mídia: “O jornalismo tem um pé atrás em trabalhar com as marcas e a publicidade, em si, também tem um pé atrás ao falar com o jornalismo”. (Meio & Mensagem/Giovana Oréfice)