“Dirigir é um ato arriscado”

O Estado de S. Paulo

 

Com décadas de vivência no sistema de transporte e de tráfego do País, tanto no Poder Público como em organizações internacionais e instituições de pesquisa, o advogado Sérgio Avelleda, hoje coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper, consegue ter uma visão que poucos possuem sobre segurança viária, seus desafios e soluções.

 

Para ele, a consciência dos motoristas dos riscos que as altas velocidades representam é fundamental. Confira, a seguir, algumas de suas reflexões sobre o tema. O que é necessário para que o Brasil tenha um trânsito menos violento?

 

A segurança viária depende de um fluxo completo que contemple, em todas as suas etapas e componentes, a visão de um sistema seguro. Dessa forma, a engenharia precisa desenhar vias para proteger todos os que as utilizam, necessita reduzir velocidades, sinalizar adequadamente e proteger os mais vulneráveis. A indústria deve contribuir com veículos cada vez mais dotados de sistemas protetivos para os que estão nele e os demais transeuntes.

 

Os motoristas precisam estar treinados e conscientizados do risco que representa o ato de dirigir e condicionados a conduzir os veículos tendo a segurança como principal premissa. O que chamamos de direção defensiva é exatamente a consciência do risco, antes de mais nada. Por que é importante que os motoristas tenham essa consciência?

 

Dirigir é um ato arriscado. Com essa consciência, o motorista adota, como que por instinto, as medidas protetivas para si e para todos os demais ao seu redor. Reduz a velocidade, dá preferência a pedestres e ciclistas, conduz pensando sempre na sua segurança e na dos que fazem parte do sistema. A junção de todos esses componentes – engenharia, indústria e direção defensiva – resultaria em um trânsito seguro, em que a visão zero de fatalidades estaria permeando a política de tráfego e a maneira de conduzir os veículos pelas pessoas. Como encaminhar nossa sociedade para a transição rumo a um sistema viário mais seguro? Avelleda:

 

Em primeiro lugar, o processo de formação dos motoristas deve mudar. Ele poderia ser mais rigoroso, com aulas e provas mais complexas e, principalmente, deveria expor o condutor, com um instrutor, ao trânsito no papel de pedestre e, se possível, também no de ciclista. Poderia fazer parte do treinamento caminhar pelas ruas da cidade mostrando ao candidato a vulnerabilidade do pedestre e seu papel nesse sentido.

 

Outro aspecto fundamental é a conscientização do risco da velocidade, pois as pessoas não têm noção disso. É preciso que elas compreendam a diferença entre trafegar a 30 km/h e 50 km/h – que, para quem está dentro do carro, não aparenta ser muito grande –, mas é decisiva quanto à morte ou à sobrevivência de um pedestre, no caso de uma colisão.

 

Essa consciência precisa ser transmitida desde as primeiras aulas. E não estamos falando de altíssimas velocidades: basta 40 km/h ou 50 km/h para, praticamente, eliminar a possibilidade de sobrevivência de um pedestre. Na sua visão, os motoristas deveriam ser reavaliados periodicamente?

 

Poderia haver, a cada cinco anos, no mínimo, uma nova checagem se aquele motorista mantém os mesmos atributos e capacidades de dirigir. Seria importantes uma reciclagem e um novo exame de verificação para entender se os habilitados continuam atendendo aos requisitos iniciais e se estão atualizados em termos de legislação de trânsito e em consciência do risco em relação à velocidade.

 

O processo de formação dos motoristas deve mudar. Necessita ser mais rigoroso, com aulas e provas mais complexas. (O Estado de S. Paulo/Daniela Saragiotto, Coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper)