O Estado de S. Paulo/Mobilidade
As metrópoles, apesar de ocuparem apenas 2% de espaço no planeta, respondem por cerca de 60% a 80% do consumo de energia e por 75% das emissões globais de carbono, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Em função da quarentena imposta pela covid-19, que, em março de 2020, forçou redução significativa na circulação de pessoas nas cidades – consequentemente, de veículos –, houve uma melhora expressiva nos níveis de poluição e de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Mas, infelizmente, foi uma mudança temporária. Com o retorno das atividades e dos deslocamentos, os centros urbanos voltaram a registrar níveis elevados de emissões. O que significa que, na ausência de medidas mais estruturais, que possam alterar o padrão global das emissões, poucas serão as mudanças duradouras percebidas em relação à melhora na qualidade do ar.
Há, entretanto, ações vinculadas a decisões de política pública com potencial para reduzir as emissões nas cidades de forma mais sustentada no longo prazo. É o que se observa com a restrição à circulação de veículos automotores em determinadas áreas dos centros urbanos, por meio de instrumento regulatório, que está sendo implementada há vários anos. trata-se das zonas de baixa emissão, conhecidas como LEZS (do inglês, low emission zones).
Restrição de circulação
As LEZS compreendem áreas específicas nas cidades que apresentam algum tipo de restrição à circulação de veículos movidos a combustão, sempre com o propósito de reduzir as emissões de poluentes. Essas restrições variam entre elas, podendo assumir diferentes configurações: área geográfica delimitada, horários e dias de funcionamento, tipos de veículo afetados com a restrição, entre outras.
A Europa se destaca por apresentar o maior número absoluto de zonas de baixa emissão. A primeira delas surgiu na Suécia, em 1996, denominada environmental zone. Desde então, o continente europeu foi, progressivamente, ampliando essas ações e, em 2022, registrou mais de 250 zonas de baixa emissão, regulamentadas e em operação, conforme dados do Urban Access Regulations in Europe.
Há diferenças no número de LEZS por países, assim como na forma de regulamentar esses espaços. Por exemplo, Áustria, Dinamarca, Alemanha, Holanda e Suécia apresentam uma regulamentação centralizada para as LEZS que se aplica a todas as cidades do Estado que busquem implementar medidas restritivas semelhantes. Em outros países, as cidades possuem flexibilidade para definir como será o funcionamento dessas áreas.
Ainda que a restrição à circulação de veículos, por tipos e finalidades, varie entre as cidades, nota-se uma tendência em coibir sobretudo a circulação de veículos pesados que se destinam à entrega de mercadorias. Caso o veículo não atenda ao padrão de emissão definido pela cidade, é cobrada uma taxa para acessar a área em questão. veículos elétricos possuem circulação liberada em todos essas LEZS, sendo que, em algumas cidades, os híbridos também podem circular livremente.
Da experiência europeia em zonas de baixa emissão, o caso de Londres é o que merece maior atenção. A capital britânica conta, desde abril de 2019, com uma ultra low emission zone (Ulez), que possui um padrão de emissão mais rígido do que as LEZS e aplica-se a todos os utilitários e veículos. É uma área de 380 quilômetros quadrados que atinge 3,8 milhões de pessoas. além disso, a Ulez também estabelece limites para a emissão de óxidos de nitrogênio (NOX), poluentes do ar e materiais particulados emitidos pelos motores.
As LEZS têm se tornado um instrumento regulatório cada vez mais popular em todo o mundo, sobretudo porque há evidências dos benefícios sob a ótica de redução de emissões de GEE e de poluentes locais. Quanto ao Brasil, já houve estudos para implementar as zonas de baixa emissão – como ocorreu em Campinas (SP), que projetou uma área central da cidade para circulação apenas de ônibus zero emissão –, mas não há nenhuma LEZ que tenha sido implementada no País.
Ações de políticas públicas desse tipo demonstram o potencial das cidades em buscar soluções heterogêneas e multidirecionadas, em conformidade com suas especificidades e demandas locais, e que possam promover mudanças estruturadas e de longo prazo para reduzir as emissões de poluentes. As cidades podem e devem assumir esse protagonismo, posicionando-se como indutoras da transição energética sustentável rumo a um sistema de transportes de baixo carbono. (O Estado de S. Paulo/Mobilidade/Flávia Consoni e Anna Carolina Navarro)