O Estado de S. Paulo
Relatório do painel sobre o clima aponta prazo para que as emissões de gases do efeito estufa passem a cair.
Novo relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), das Nações Unidas, divulgado ontem, mostra que 2025 é o limite para que a média anual global das emissões de gases de efeito estufa atinja seu ponto de inflexão e passe a cair. Segundo os cientistas do grupo, medidas como incentivar energias renováveis, novas tecnologias e preservar florestas, para retirar da atmosfera o carbono da queima de combustíveis fósseis, serão cruciais.
Para se ter uma ideia do tamanho do desafio: entre 2010 e 2019, a média anual dessas emissões atingiu seus níveis mais altos da história. Caso isso se mantenha, a meta de limitar a alta de temperatura a 1,5ºc fica fora de alcance. Estar dentro da meta significa que nos próximos três anos as emissões precisam passar a cair de forma sustentada e chegar a 2030 com redução de 43% em relação a 2019. Mesmo se a meta considerada for limitar o aumento a 2ºc, 2025 segue como data-limite, com redução de um quarto de emissões ante os patamares de 2019.
Na prática, o que pode ocorrer: no cenário de 2ºc, serão cinco vezes mais ondas de calor no mundo, secas, tempestades e inundações. Aliás, explicaram os cientistas em fevereiro, a cada 0,1 ºc de aumento médio da temperatura, maior o número de mortes por estresses de calor, problemas pulmonares e cardíacos, doenças infecciosas e causadas por mosquitos e fome.
Ou seja: o relatório deixa claro que a hora de investir em mudanças drásticas e sustentáveis é agora. O documento aponta também que é possível passarmos raspando pelos desafios de manter o planeta mais seguro para a vida humana. Apesar dos recordes de emissões da década passada, o ritmo de crescimento foi mais baixo em relação às décadas anteriores. E, segundo o relatório do IPCC, há evidências crescentes de ações climáticas que já surtem efeitos positivos.
Desde 2010, houve reduções sustentadas de até 85% nos custos de energia solar e eólica e baterias, por exemplo. Um número crescente de políticas públicas e legislações melhorou a eficiência energética, reduziu as taxas de desmatamento e acelerou a implementação de energia renovável. “Uma das coisas que ficam claras neste relatório é que limitar o aumento da temperatura a 1,5°C exigirá, ao mesmo tempo, reduzir as emissões e remover o carbono que já está na atmosfera”, diz Carolina Genin, diretora de Clima do WRI Brasil.
Para limitar o aquecimento global, diz o documento, será preciso uma grande transição no setor de energia, deixando para trás o consumo de combustíveis fósseis, e com aumento da eletrificação das frotas e melhoria da eficiência energética de combustíveis alternativos, como o hidrogênio. “O relatório ajuda a reforçar que não há cenário de 1,5°C sem a Amazônia. Para o Brasil, desenvolver soluções tecnológicas para retirar CO2 da atmosfera é algo caro e não faria sentido, pois temos as florestas, a melhor alternativa natural e de baixo custo para a captura de carbono”, diz Carolina.
Para Laurence Tubiana, CEO da European Climate Foundation (ECF), o relatório do IPCC aponta que a forma mais rápida de os governos garantirem a segurança energética é cortar custos e investir em energia limpa. “Novas infraestruturas de gás, petróleo e carvão não só aumentarão os severos custos climáticos que já enfrentamos, como alimentarão a temível espiral geopolítica dos combustíveis fósseis, que tantas vezes têm sido associadas a tensão, conflito e volatilidade macroeconômica”.
Além de indicar a saída com tecnologias energéticas, o relatório do IPCC mostra que o setor financeiro tem papel importante nesse processo. Embora os fluxos financeiros sejam hoje de três a seis vezes menores do que o necessário para impulsionar esse desenvolvimento, há capital e liquidez suficientes para fechar essas lacunas. Mas, para isso, o setor precisa que governos e a comunidade internacional deem demonstrações claras de comprometimento em manter a alta da temperatura abaixo do 1,5ºc. Os fluxos financeiros anuais para mitigação e adaptação às mudanças climáticas subiram até 60% entre 2013/14 e 2019/20, mas têm desacelerado. Além disso, esses fluxos são desiguais e heterogêneos. O cenário piora ao se constatar que o financiamento público e privado de empreendimentos que usam combustível fóssil ainda é maior do que para a adaptação e combate a mudanças climáticas.
Pressão
No Brasil, o desmatamento é a principal causa de emissões de gases de efeito estufa. Na COP-26, o País se comprometeu a cortar em 50% as emissões até 2030, tendo como base o volume de 2005. A posição frustrou expectativas por ter só igualado a meta assumida em 2015. Na gestão Jair Bolsonaro, o País bate recordes seguidos de desmatamento. “Já há impactos climáticos generalizados causados por uma elevação de apenas 1,1°C na temperatura média do planeta acima dos níveis pré-industriais, inclusive no Brasil, onde recentemente centenas perderam suas vidas por causa de eventos extremos”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do Wwf-brasil.
O relatório teve mais de 60 mil comentários de revisores especializados e de representantes de governos. Mais de 59 mil artigos científicos são mencionados no documento final, aprovado por 278 autores. •
O problema No Brasil, o desmatamento é a principal causa de emissões de gases de efeito estufa. (O Estado de S. Paulo/Emílio Sant’Anna)