O Estado de S. Paulo
Numa longa carreira dedicada ao setor de energia, que incluiu cargos de direção na Cesp, na CPFL e Eletrobras, Wilson Ferreira Junior juntou experiência para assumir na área privada, em 2021, a Vibra Energia, “herdeira” da BR Distribuidora. Num ano difícil, em que uma forte seca se somou a intensas queimadas – em grande parte ilegais – na Amazônia e no Pantanal, esse engenheiro formado no Mackenzie viveu um período de intensa transição, mas se sente otimista. Os eventos climáticos, adverte, “estão levando a uma consciência ambiental muito maior, não só entre governos, mas entre empresas e pessoas”.
Nesse contexto, diz ele, o Brasil tem um bom horizonte pela frente: 85% de sua energia elétrica é renovável, um índice muito acima dos 24% de média mundial. E, graças às decisões aprovadas na COP-26, terá ótimas condições para acumular créditos de carbono e vende-los no mercado internacional. “A transição energética vai ocorrer. E o ponto fundamental é que vamos ser o maior gerador de créditos de carbono do planeta”.
Ele vê com bons olhos a indicação de Adriano Pires para presidência da Petrobras. “Sou fã dele há 30 anos. Na área de óleo e gás, ele é uma unanimidade. Ele tem competência para dar seguimento à criação de um fundo de estabilização dos preços dos derivados de petróleo.” A seguir, trechos da entrevista.
Começo com um tema que preocupou muita gente no final do ano passado: vai faltar energia?
De jeito nenhum
Vivemos em 2021 o ano mais seco da História e nele não tivemos qualquer problema. O Brasil é hoje um País diferente daquele que viveu um trauma lá atrás, em 2001, quando houve racionamento. Naquela época, 95% da energia era gerada por hidrelétricas e só 5% por outras fontes. Hoje, mais de 20% da geração do País é termoelétrica. A hidrelétrica dá algo como 63%. E temos energia térmica a gás natural, óleo combustível e óleo diesel. E o restante, que é o que mais está crescendo, são a energia eólica e a solar.
Você dedicou quase toda sua vida ao setor de energia, foi presidir a Eletrobras, colocando-a em ritmo de privatização. E por fim aceitou pegar a ex-estatal BR Distribuidora, que agora se chama Vibra. Carreira movimentada, não?
Aceitei convite do presidente Temer em um momento muito crítico para a Eletrobras. Demos uma contribuição importante, acho que ela agora está próxima da privatização – mas isso só é possível porque saltamos de um valor de R$ 9 bilhões para R$ 60 ou 70 bilhões e ela reduziu seu quadro à metade. A dívida líquida caiu de 9 vezes para uma vez a geração anual de caixa.
Quando você saiu da Eletrobras houve rumores do tipo “saiu porque o governo não ia privatizar…” Sua saída inesperada influenciou?
Aceitei ficar na Eletrobras no governo Bolsonaro porque os ministros Paulo Guedes e Bento Albuquerque colocaram como prioridade as privatizações. Estou feliz por ter contribuído para chegar a esse ponto e também porque agora estou ligado a esse tema climático, a tal transição energética. Esses eventos climáticos extremos estão levando a uma consciência ambiental muito maior, não só entre governos, também entre empresas e pessoas. A transição energética vai ocorrer, já está ocorrendo, e o caso brasileiro é particular, viu?
Particular em que sentido?
Porque o mundo emite muito gás de efeito estufa para produzir energia elétrica. E no Brasil quase 85% da nossa geração de energia elétrica é renovável. A média mundial é 22%. Quer dizer, nós somos 3 a 4 vezes mais renováveis e não poluentes do que os demais países. E a segunda fonte importante é a do transporte. O mundo consome muito diesel e por aqui estamos criando uma plataforma multienergia. Queremos apoiar uma transição energética relevante, criando uma plataforma para aumentar o crescimento desse combustível. E estamos desenvolvendo uma parceria para extrair o gás metano, o biometano, a partir de vinhaça de cana-de-açúcar.
O Brasil tem uma imagem ruim lá fora, em relação ao meio ambiente. Estados Unidos e Rússia são responsáveis por 50% de todo o gás estufa, o Brasil só por 3%. O que acontece?
Nós tivemos uma infelicidade grande, no ano passado, que foi muito seco. Houve muitas queimadas, algumas espontâneas, muitas outras não, no Pantanal, na Amazônia. A queimada ilegal tem de ser ferozmente combatida. A Amazônia é do tamanho da Europa, não é simples fazer isso. Nossa má fama está ligada a todo esse….
…desmatamento ilegal.
Sim, e à nossa incapacidade de gerenciar e mitigar isso. Mas tivemos avanços na COP-26, com a regulamentação do Artigo 6, que trata dos créditos de carbono. O ponto fundamental é que vamos ser o maior gerador de créditos de carbono do planeta, seja pelo potencial – a captura de carbono das nossas florestas –, seja por sermos um dos países que mais crescem na geração renovável: eólica, solar, na produção de biocombustíveis. Enfim, temos uma vantagem potencial. Naturalmente, também precisaremos de articulação entre governo, empresas e academia. A Vibra está entrando de cabeça na geração renovável. (O Estado de S. Paulo/Sonia Racy)