O tombo do dólar diante do real

O Estado de S. Paulo

 

As cotações do dólar fecharam nesta quarta-feira em seu nível mais baixo em reais desde março de 2020 (veja o gráfico). Queda de 13,2% apenas neste ano.

 

Isso acontece apesar dos problemas: inflação de dois dígitos, desemprego de 11%, PIB rastejante, contas públicas anêmicas e incertezas nas eleições.

 

Uma das forças que puxam o dólar para baixo são as excelentes condições das contas externas, as que regem as relações do Brasil com o resto do mundo. O saldo em transações correntes, que engloba comércio, rendas e serviços (menos fluxo de capitais) deve fechar o ano em cerca de US$ 20 bilhões negativos, que serão mais do que cobertos por cerca de US$ 60 bilhões em entrada de investimentos diretos. O superávit comercial (exportações menos importações) aponta para alguma coisa em torno dos US$ 65 bilhões, mas pode ser maior, graças ao aumento dos preços internacionais das commodities (mais de 50% das exportações). O Brasil conta hoje com US$ 354 bilhões em reservas externas, ou 22 meses de importações.

 

Outro fator que vem derrubando as cotações do dólar é o tamanho dos juros. A Selic (juros básicos) no momento é de 11,75% ao ano, deve passar a 12,75% ao ano no início de maio, como aponta o Banco Central, mas pode ir além disso nos meses seguintes. Enquanto isso, os juros básicos nos Estados Unidos (Fed funds) estão hoje em 0,25% ao ano, mas não deverão ultrapassar em muito os 2% ao ano até o fim de 2022. Mesmo com a alta dos juros lá fora, o investidor estrangeiro continua propenso a injetar moeda estrangeira no mercado financeiro do Brasil onde pode ganhar mais juros do que paga lá fora.

 

O dólar bem mais barato não estava no horizonte dos analistas. Eles entendiam que as incertezas que rondam a política econômica e as contas públicas acabariam por prevalecer sobre os fatores que empurram em direção contrária e manteriam as cotações do câmbio acima dos US$ 5 por real. Ainda na semana passada, 65 dos principais analistas consultados pela Pesquisa Focus apontaram o dólar a R$ 5,30 no fim de dezembro.

 

Vamos agora às consequências. A valorização do real contribui para reduzir os preços dos importados e, por aí, para conter a inflação. Aos atuais níveis, atua para atenuar a alta dos combustíveis e dos alimentos mais do que a redução de impostos decidida pelo governo.

 

A indústria de transformação tende a perder mais competitividade, embora possa gastar menos reais no pagamento de sua dívida em moeda estrangeira.

 

Mas não dá para dizer que o real valorizado aumente as viagens internacionais, porque as passagens aéreas ficaram muito mais caras e a inflação global aumentou os custos do turismo. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)