AutoIndústria
Conhecido por seu pragmatismo, Carlos Tavares, CEO mundial da Stellantis, tem em mente uma certeza entre tantas dúvidas com as quais a empresa que comanda, assim como a própria indústria automobilística, deve se deparar nos próximos anos: não abrirá mão da rentabilidade, nem que isso represente medidas “pouco populares”, como ele mesmo define.
Essa pelo menos foi a resposta do executivo, em rápida visita ao Brasil – onde formalizou o início de produção do novo Citroën C3 em Porto Real, RJ – , ao questionamento se há ainda espaço para automóveis mais baratos na América Latina. Em resumo, segundo o executivo: não!
A Stellantis, afirmou, venderá seus veículos na medida justa dos preços que são ou serão praticados também pelas montadoras concorrentes. Isso para não perder rentabilidade e capacidade de viabilizar projetos que a mantenham competitiva nos próximos anos. Entregar rentabilidade anual acima de 10% de 2022 a 2030 é um dos pilares do plano estratégico global apresentado recentemente pelo grupo.
Já conseguiu isso um ano depois de sua criação a partir da fusão da PSA com a FCA. E não pretende nada de diferente na América Latina, onde lidera as vendas de veículos. Ao contrário, Tavares vê na região potencial para aumentar seu peso nos resultados e nos negócios globais. Não esconde que deseja que a operação regional comandada por Antonio Filosa siga na primeira colocação e até amplie a atual participação de 21% a 22% para 25% nos próximos anos, desde que isso não implique em redução de margens.
De qualquer forma, ele se dá por muito satisfeito com os resultados comerciais e financeiros já alcançados em um cenário econômico mundial difícil, com forte pressão inflacionária. “Manter a rentabilidade é a maneira que temos de nos protegermos de novas tempestades, como aconteceu agora com a covid-19 ou a falta de semicondutores”, afirma o executivo.
Tavares, porém, faz questão de frisar que o ponto de equilíbrio do grupo, definido para abaixo de 50% sobre as receitas, e que seguirá nesse patamar nos próximos anos, é um dos mais importantes fatores, ao lado das sinergias, que permitiram os resultados favoráveis no primeiro ano da Stellantis.
Resultados que são definidos pelo executivo como “excelentes” e, arrisca a dizer, poderiam merecer o grau de “espetaculares” caso a indústria automobilística não estivesse nadando contra a corrente que congrega limitações produtivas e incertezas econômicas. “É frustrante termos capacidade para produzir 8 milhões de veículos e não passarmos de 6 milhões por falta de semicondutores.”
E o quadro não será muito distinto nos próximos meses, acredita o executivo português, que acumula enorme conhecimento sobre a cadeia global automotiva depois de ocupar cargos estratégicos na Renault e Nissan até chegar ao principal posto na PSA, em 2013. “A situação deve melhorar mesmo, acredito, só em 2023”.
Por enquanto, mais do que a guerra na Ucrânia – “uma tragédia diante da qual a preocupação econômica é marginal” -, que ainda não provocou problemas maiores para a montadora, essa tem sido a maior preocupação do executivo. A boa notícia é que Tavares acredita que a carência de capacidade produtiva global de semicondutores estará sanada até meados desta década, com a redução significativa da dependência dos países da Ásia.
“O Ocidente já compreendeu isso [que não pode depender] e vai investir. Os Estados Unidos já anunciaram US$ 52 bilhões e a Europa, € 40 bilhões. Entre três e cinco anos novas capacidades serão adicionadas.”
Diversificação e a ampliação dos polos fornecedores serão fundamentais para a indústria, já que o crescente processo de eletrificação dos veículos demandará ainda mais semicondutores até o fim da década. A própria Stellantis trabalha para chegar até lá vendendo anualmente 5 milhões de veículos a bateria. A ideia é que 100% de suas vendas na Europa e 50% nos Estados Unidos sejam de BEVs – Battery Electric Vehicles.
Para o Brasil e região a montadora vislumbra um ritmo bem mais lento na oferta de novas tecnologias. Antonio Filosa calcula que somente cerca de 20% das vendas de seus automóveis em 2030 sejam de produtos dotados de algum nível de eletrificação. E, ainda assim, é clara a disposição da Stellantis de apostar em eletrificações híbridas ou leves, prestigiando o desenvolvimento de soluções que envolvam também o etanol.
Apesar de considerarem a operação sul-americana exemplo para as demais do grupo, os executivos da montadora não anteciparam qualquer informação sobre o próximo ciclo de investimentos no Brasil e Argentina, bases produtivas para o mercado regional. Mas, a julgar pelo momento global e o estilo Tavares, contemplará o mínimo de dinheiro possível para assegurar a máxima competitividade e, tão ou mais importante, a rentabilidade. (AutoIndústria/George Guimarães)