O Estado de S. Paulo/The Economist
O povo de São Bernardo do Campo, uma cidade próxima a São Paulo, é chamado de “batateiro”, ou plantador de batata. No entanto, eles são mais conhecidos pela sua indústria. Quase um século atrás eles fabricavam móveis. Na década de 1950, começaram a produzir carros. Logo, a região que inclui a cidade, conhecida como ABC pelas iniciais de seus maiores municípios, tornou-se a maior zona industrial da América Latina. Um trabalhador de lá, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou ao topo do sindicato dos metalúrgicos e, mais tarde, ao topo da política brasileira.
Mas quando a Urban Systems, uma consultoria, elegeu a cidade como o melhor lugar do Brasil para fazer negócios na indústria no ano passado, muita gente se surpreendeu. Em 2013, o ABC tinha 190 mil postos de trabalho formais na indústria (que inclui manufatura e processamento). Em 2019, tinha 140 mil, ou quase um terço menos. Placas empoeiradas de “vende-se” marcam algumas das 127 áreas industriais ociosas que a pesquisadora Gisele Yamauchi contabilizou em São Bernardo. Em 2019, a montadora americana Ford disse que estava deixando São Bernardo depois de quase um século no Brasil. Em 2021, o setor industrial formal da cidade se manteve estável, com quase tantos empregos criados quanto perdidos. Mas a transição para uma economia de serviços é clara.
De fato, São Bernardo faz parte de uma tendência mais ampla no País. Na década de 1980, a indústria atingiu o pico de 34% de participação no PIB do Brasil. Em 2020 foi de apenas 11%.
Em outros países, a importância relativa da indústria também diminuiu. À medida que as fábricas se tornam mais eficientes, menos pessoas são necessárias para fabricar cada produto, e o emprego na indústria tende a cair mesmo com o aumento da produção. Mas o que é notável no Brasil é que o crescimento da produção também foi medíocre. Entre 1980 e 2017, o valor agregado da indústria em termos reais cresceu apenas 24%, em comparação com 69% na vizinha Argentina e 204% no mundo.
As indústrias de base científica do Brasil também perderam participação no PIB mais rapidamente do que o esperado. Na década de 1980, o Brasil produzia 55% dos insumos farmacêuticos que utilizava. Em 2020, isso caiu para 5%. Quando a pandemia de covid-19 criou uma enorme demanda por vacinas, o Brasil foi pego de surpresa. A falta de materiais atrasou o lançamento do imunizante.
Abertura
À medida que o comércio global se liberalizou depois de 1990, o Brasil abriu o que havia sido uma economia ferozmente protegida. Mas apenas um pouco. O país continuou protegendo grande parte de sua indústria doméstica da concorrência estrangeira, diz Fabiano Colbano, do Banco Mundial. Sucessivos governos se concentraram em alimentar a demanda doméstica, em vez de aumentar a produtividade. As empresas falharam em se integrar nas cadeias de suprimentos globais. As tarifas de importação foram mantidas altas e a regulamentação continuou a incomodar.
O prefeito de São Bernardo tenta tornar a cidade um lugar mais fácil para fazer negócios. Durante a pandemia, ele cortou a burocracia, baixou impostos e construiu mais estradas. Ele assegurou promessas de investimento em logística e em outras áreas que favorecem a indústria no valor de US$ 1,75 bilhão para 2021 e 2022 (o orçamento da cidade para 2022 é de US$ 1,2 bilhão). Mas em outras partes do Brasil, a covid-19 acelerou a queda da indústria.
O aumento dos preços das commodities ajudou o Brasil a atingir um superávit comercial recorde. Mas isso mascara um déficit de US$ 53 bilhões (ou 3,3% do PIB) em bens manufaturados. De fato, a dependência de commodities, cujas exportações no Brasil equivalem a 8% do PIB, normalmente tende a acelerar o declínio da manufatura ao fortalecer a moeda local, o que torna as importações mais baratas. A China há muito prefere comprar matérias-primas brutas e processá-las em casa. Em 2009, a China importou produtos alimentícios primários do Brasil no valor de US$ 7 bilhões, em comparação com produtos alimentícios processados no valor de quase US$ 600 milhões. Em 2019, os números foram de US$ 23 bilhões e US$ 5 bilhões, respectivamente.
O Brasil não precisa necessariamente de um grande setor industrial para prosperar. Em São Bernardo, os chãos de fábricas foram transformados em shopping centers e muitos moradores encontraram empregos como operadores de telemarketing. Alguns economistas argumentam que o declínio da indústria deu ao Brasil uma oportunidade de aproveitar seus pontos fortes na agricultura e na produção de petróleo.
No entanto, outros sentem que esse otimismo é equivocado. “O Brasil é o pior exemplo de desindustrialização prematura do mundo”, argumenta Rafael Cagnin, da Iedi, uma associação do setor. Os trabalhadores mudaram para empregos de serviços de baixa qualificação, em vez de empregos de alta tecnologia e qualificados. Em média, sua produtividade e renda caíram, diz ele. Em São Bernardo, os maiores salários de todos os trabalhadores com carteira assinada permanecem na indústria automobilística. Os salários médios reais em São Bernardo têm diminuído a cada ano desde 2017, inclusive nele.
Uma crise econômica entre 2014 e 2016 deu um choque tão grande no Brasil que qualquer tentativa de separar os efeitos da política industrial é difícil. Mesmo antes da covid-19, o desemprego estava no nível mais alto em 50 anos, segundo o Banco Mundial.
O declínio industrial pode ter consequências políticas. Nos Estados Unidos, a perda de empregos na indústria do Meio-Oeste pode ter levado alguns eleitores a votar em Donald Trump em 2016. No Brasil, as eleições de 2018 foram dominadas pela corrupção e as consequências da recessão, mas um estudo de dois pesquisadores brasileiros descobriu que as áreas mais afetadas pela liberalização do comércio na década de 1990 eram as mais propensas a votar em Jair Bolsonaro, o presidente populista. Ele até ganhou no antigo reduto de Lula em São Bernardo.
A próxima eleição presidencial, em outubro, pode ser crucial para a indústria. Bolsonaro não fez do estímulo à indústria uma prioridade, embora no final de fevereiro tenha prometido um corte de impostos para produtos industriais. Lula, que provavelmente concorrerá contra ele, disse que, embora as commodities sejam importantes, o Brasil precisa “ser forte na indústria, na ciência e na tecnologia”. Os próximos meses provavelmente envolverão uma corrida para conquistar os corações e os votos de lugares como São Bernardo. (O Estado de S. Paulo/The Economist)