O Estado de S. Paulo
O momento que estamos vivendo é muito triste e preocupante. Afinal, ninguém fica feliz com uma guerra, como a que está ocorrendo entre Rússia e Ucrânia, e todas as tragédias humanas causadas por ela.
Como investidores, é claro que gostamos de oportunidades de comprar ações descontadas, mas é óbvio que todos nós trocaríamos, sem hesitar, qualquer oportunidade de comprar ações baratas por um mundo mais justo e pacífico.
Tenho certeza de que ninguém em sã consciência está comemorando essas tais oportunidades, pois não há nada mais importante do que a paz e a dignidade humana que, infelizmente, estão sob forte ameaça para todos, independentemente da distância geográfica que estejamos da região dos conflitos.
Acontece que a paz está totalmente fora de nosso controle e as únicas coisas que podemos fazer neste momento são torcer para que se chegue a um bom termo o mais brevemente possível e, no âmbito pessoal, tentar minimizar os efeitos financeiros ruins que todo este cenário tem potencial de causar.
Como investidores, precisamos saber avaliar as melhores providências tanto para proteger a carteira quanto para aproveitar oportunidades em boas empresas. É a medida preventiva dentro do que está sob nosso domínio, evitando, assim, que fatores externos e fora do nosso controle tenham as rédeas do nosso dinheiro.
Com o anúncio feito pela União Europeia da exclusão de sete bancos russos do sistema de pagamentos interbancários Swift a partir do dia 12 de março, essas instituições não terão como efetuar suas transações financeiras em todo o mundo. Na prática, isso será um grande embargo às exportações e importações russas, mas as consequências disso impactam vários países e, obviamente, o Brasil não estará imune.
O que é o Sistema Swift
Swift a sigla de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). Trata-se de uma cooperativa global, líder nas transferências financeiras entre empresas e pessoas de inúmeros países, de forma rápida e segura.
Para que as remessas aconteçam, tanto o banco emissor da remessa quanto o receptor precisam fazer parte do sistema. Se uma das pontas não for credenciada, as transações financeiras não acontecem e, portanto, alternativas bem mais difíceis, caras e menos seguras teriam de ser usadas para realizar uma transferência de valores.
O bloqueio aos bancos russos, portanto, inviabiliza as transações comerciais de todos os países que mantêm negócios com a Rússia.
Qual o impacto dessa medida aqui no Brasil?
A Rússia é um importante exportador de petróleo, grãos e fertilizantes agrícolas e a previsão é que as commodities agrícolas tenham forte subida de preços nos próximos meses, em função das sanções impostas ao país.
A maior parte do nosso trigo vem da Argentina e não da Rússia. Desta última, importamos um percentual bem pequeno (em 2021, dos 6 milhões de toneladas importadas, apenas 28 mil vieram da Rússia).
Entretanto, por se tratar de uma commodity, o trigo tem sua formação de preços balizada pelo mercado internacional, onde a ameaça de escassez causada pelas sanções comerciais à Rússia já faz os preços subirem no mercado futuro.
A Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo) avalia que, por enquanto, não há risco de desabastecimento; contudo, o aumento de preços é inevitável. Além disso, as sanções também impactam a nossa importação de fertilizantes e insumos agrícolas, o que resvala nos preços dos demais produtos – e não apenas no preço do trigo.
É importante que você perceba como tudo está interligado: o aumento dos preços de commodities irá trazer maior inflação ao Brasil. Para conter a inflação, a taxa Selic continuará subindo e, com isso, os títulos da dívida pública brasileira tornam-se mais atrativos para os investidores.
Em outras palavras, para conter a inflação, o governo terá que tomar mais dívida emitindo títulos. Enquanto a projeção dessa dívida estiver em linha com a solvência do governo, está tudo bem.
Ocorre que, para manter uma gestão saudável desse passivo, o país depende de uma economia forte, com PIB em crescimento alavancando a arrecadação, o que é bastante difícil num cenário de alta de juros, já que o crédito fica mais caro e inibe o consumo das famílias e a capacidade das empresas de investirem em crescimento. O equilíbrio dessas variáveis é complexo e desafiador para todos.
Dentro desse contexto, você precisará de cautela e muita informação para garimpar as boas oportunidades de investimento. A renda variável sempre continua sendo uma excelente opção, desde que você tenha o cuidado de cercar-se de informações consistentes sobre os mercados e suas perspectivas.
Não se trata de operar notícia, muito pelo contrário. Trata-se de saber identificar as informações relevantes que podem impactar positiva ou negativamente os fundamentos das empresas e, assim, fazer escolhas alinhadas àquilo que faz sentido dentro de seu planejamento financeiro.
No caso das empresas brasileiras negociadas em bolsa, produtores agrícolas exportadores tendem a se beneficiar com a alta do preço das commodities e do petróleo, enquanto empresas de tecnologia e serviços tendem a sofrer com a alta da inflação no mercado interno, assim como as empresas de alimentos que dependem de grãos e outras matérias-primas em alta neste momento.
Comprar ações de empresas que ficarão mais descontadas pode ser uma opção interessante para quem investe para longo prazo, contudo, é importante estar preparado para volatilidade intensa e recuperação lenta.
Por outro lado, querer investir naquelas que devem se beneficiar com a alta das commodities é algo que requer estudos redobrados. Lamento informar: se é esse o seu plano, você já está atrasado.
Guerras, ciclos econômicos e fatores adversos de maior ou menor magnitude sempre estarão presentes no horizonte. Portanto, ter uma parte de seus investimentos alocados em ativos seguros deve ser uma prática recorrente e independente de quaisquer fatores externos.
Se você é meu leitor assíduo, certamente já tem esse tipo de ativo na carteira. Este é um ótimo momento para reforçar seus aportes nessas companhias. (O Estado de S. Paulo)