O Estado de S. Paulo
A apresentação do carro-conceito elétrico Mercedes-Benz EQXX, em janeiro, chamou a atenção pela autonomia anunciada de 1.000 quilômetros com uma carga completa de bateria. Esse alcance é possível, também, graças a outras soluções, como aerodinâmica aprimorada e uso de materiais mais leves no carro. Mas é fato que a indústria vem avançando, rapidamente, no desenvolvimento das baterias.
As fábricas dedicadas à construção do componente estão formando parcerias com startups e montadoras na busca de novas tecnologias, células e elementos químicos que serão usados no futuro próximo “a energia destinada ao segmento automotivo foi a que mais evoluiu nos últimos anos”, afirma Fernando Castelão, diretor-geral da divisão de bateria de lítio da Moura.
Atualmente, as baterias estão prestes a dar mais um salto, passando do estado líquido para o sólido, mais seguro e eficiente. Uma das iniciativas nesse sentido é a parceria entre a Mercedes e a empresa Prologium, que, juntas, trabalham para criar células de próxima geração.
O plano da marca alemã é equipar os primeiros veículos de teste com baterias de estado sólido daqui a alguns anos, com a previsão de que elas sejam incorporadas à arquitetura dos carros em 2030.
“O eletrólito em estado sólido permite o uso de materiais com maior capacidade de armazenamento, alta condutividade iônica e estabilidade química”, diz Castelão. Os materiais empregados e o design nesse tipo de bateria dão condições de quase dobrar o alcance das células de íon de lítio de hoje, além de ser menos inflamável.
Menores e mais eficientes
As baterias terão autonomia superior, mas talvez isso nem seja necessário a curto prazo “é difícil encontrar alguém que ande mais de 100 quilômetros por dia”, atesta o diretor da Moura. “A maioria das pessoas recarrega seus veículos elétricos na cidade ou em suas casas. Portanto, o alcance oferecido, atualmente, é suficiente.”
Castelão explica que as baterias geram custos elevados e sobrecarregam o peso do automóvel. Por isso, o desafio é estabelecer uma equação de elevar a densidade energética em modelos ainda menores “seria simples aumentar a bateria para que ela guardasse mais energia, mas não é o caso. Ao contrário, elas têm de pesar 30% menos e ocupar metade do espaço que preenchem hoje”, destaca.
Para alcançar esse compromisso, a fabricante chinesa de baterias CATL patenteou a tecnologia cell to pack, em que as células não ficam mais contidas dentro de módulos, que, por sua vez, formam o “pacote” da bateria. Elas vão direto para os pacotes, economizando uma etapa, o que diminui o consumo de energia.
Apesar de sempre se falar de bateria de lítio, esse elemento químico só está presente em 10% da composição e trabalha em conjunto com níquel, manganês e cobalto. Ele leva a fama porque é reativo e mais leve e faz o papel de transição da carga do polo positivo para o negativo.
“A indústria automotiva, porém, estuda novas possibilidades, como a utilização de silício e grafite”, revela Castelão. E acrescenta: “A longa autonomia é importante, mas a infraestrutura de recarga rápida deve caminhar lado a lado”.
Aproveitamento de 98%
Para Diogo Seixas, CEO da empresa de infraestrutura de recarga Neocharge, há três maneiras de aumentar a autonomia das baterias: torná-las maiores para armazenar mais energia, desenvolvê-las com químicas diferentes para obter maior densidade energética e trabalhar na eficiência do conjunto, que é mais complexo.
“A eficiência energética da bateria de um automóvel elétrico é de 90% a 95%, ou seja, há um mínimo de perda. Mesmo assim, a indústria trabalha incessantemente para diminuir ainda mais esses desperdícios”, afirma. “Será impossível chegar a 100% de aproveitamento; contudo, de 96% a 98% é factível.”
Citando o Mercedes Vision EQXX, Seixas relativiza a grande autonomia da bateria. A seu ver, vale mais a pena oferecer um automóvel capaz de rodar 500 quilômetros com preço acessível do que outro com alcance de 1.000, custando um valor exorbitante. “Ninguém anda mais de 1.000 quilômetros sem parar para repouso, período em que a bateria pode ser recarregada”, salienta.
Ele defende que a grande meta da indústria não deveria ser autonomia cada vez maior. “O ideal é produzir baterias menores e mais leves, aumentando a eficiência do conjunto”, afirma “para que um alcance de 1.000 quilômetros se o consumidor dirige, em média, 40, por dia?”
No entender de Seixas, o mercado de veículos elétricos será definido da seguinte forma: os modelos com autonomia baixa terão grande volume de vendas; os de média ficarão em um patamar intermediário; e os de alta autonomia responderão pela menor parcela de vendas.
“No passado, as pessoas começaram a comprar carros quando as ruas foram asfaltadas. Antes disso, elas preferiam os cavalos”, enfatiza. “Por mais que as baterias evoluam, o consumidor só se sentirá confortável para comprar um automóvel elétrico quando houver infraestrutura adequada”. (O Estado de S. Paulo/Mário Sérgio Venditti)