Falta carro para alugar no fim de ano, com alta demanda e frota limitada

O Globo

 

A engenheira Mirella Ostan, de 35 anos, mora na França e veio ao Brasil passar as festas de fim de ano com sua família em Curitiba. Com um filho de 3 anos e uma filha de 8 meses, ela e o marido tentaram alugar um carro para o período de 16 de dezembro a 6 de janeiro. Pesquisaram em várias empresas, mas não encontraram nenhum modelo básico disponível. As únicas alternativas eram retirar um veículo em Ponta Grossa, que fica a mais de 100 quilômetros da capital paranaense, ou pagar sete vezes mais por um modelo mais caro.

 

“A média da diária de um carro barato era R$ 100. Os outros, de categorias premium, eram em torno de R$ 700. Para 20 dias, daria uns R$ 14 mil. Com esse valor, eu compro um usado. Calculamos quanto seria andar de aplicativo, mas com as crianças é melhor o carro”, conta Mirella.

 

A família acabou conseguindo um veículo emprestado, mas muita gente tem ficado sem saída. Faltam veículos nos pátios das locadoras.

 

Pesquisa realizada pelo GLOBO na última sexta-feira nos sites das três maiores locadoras de veículos para o aluguel de um veículo de 27 de dezembro a 7 de janeiro constatou que os modelos básicos mais baratos estão quase esgotados nas filiais em aeroportos de cidades turísticas como Fortaleza, Curitiba, Recife, Salvador, Maceió, São Luís, Natal, Florianópolis, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

 

Em seis dos dez destinos pesquisados não há carros populares disponíveis, todos já estão reservados.

 

Mais de 1 milhão

 

Mirella, que trabalha em uma montadora na França, sabe que o problema vai além da alta demanda. Como confirmam especialistas do setor automotivo, as locadoras têm enfrentado dificuldades para renovar a frota desde o início da pandemia, que afetou o suprimento global de semicondutores. A falta dos componentes reduziu a produção de automóveis no mundo, inclusive no Brasil, e as locadoras são os principais compradores.

 

O diretor de Operações da consultoria Gouvêa Ecosystem, Eduardo Yamashita, lembra que o modelo de negócios de locação de carros foi profundamente testado na pandemia, também por outros motivos:

 

“Esse segmento sofreu queda enorme no seu faturamento porque as pessoas não estavam na rua, o turismo caiu, e eles perderam contratos corporativos de empresas que alugavam frotas, de onde vinha boa parte da receita”.

 

Outra fatia relevante da receita das locadoras, a venda de seminovos, também foi abalada, diz Yamashita. Afinal, sem poder renovar a frota na proporção desejada, não era possível se desfazer dos seminovos.

 

No ano passado, a frota das locadoras ultrapassou a marca de 1 milhão, segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla). Este ano, até 31 de julho, as locadoras tinham comprado 181 mil automóveis e comerciais leves, conforme levantamento do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em parceria com a Abla. A projeção para o total a ser atingido este ano é de 350 mil a 380 mil veículos.

 

A Abla estima que as locadoras deixarão de comprar entre 420 mil e 450 mil veículos este ano, devido à dificuldade de produção das montadoras.

 

Além do limite à renovação da frota, o apagão nas locadoras neste fim de ano é reflexo da retomada do turismo com a vacinação. Famílias que adiaram férias na pandemia e ainda não se sentem seguras para viajar para o exterior ou pelo Brasil em aviões e ônibus cheios recorrem aos carros alugados, principalmente para curtas e médias distâncias. A nova variante Ômicron é mais um fator de preocupação.

 

Nada básico

 

O resultado é a falta de carros para reserva. Na Localiza, por exemplo, não há opção de carros básicos em nenhuma das cidades pesquisadas. Nos dois aeroportos do Rio, faltavam até veículos intermediários e alguns modelos de minivans e furgões.

 

Em São Luís, onde é comum o aluguel de carros mais potentes para encarar os quase 300 quilômetros até Lençóis Maranhenses, os modelos SUV e 4×4 também já acabaram. Em Curitiba, nenhuma das lojas tinha carros disponíveis.

 

A Localiza reconhece que a indústria automotiva está passando por uma crise global, que impactou “severamente a produção de carros e toda a cadeia de valor dependente dela, inclusive a de locação de veículos”. Em nota, a empresa diz que as montadoras estão atendendo a seus pedidos, ainda que em prazos mais longos que os previstos.

 

O site da Unidas (que está em processo de aquisição pela Localiza) informa que não há modelos em nenhuma das cidades analisadas, exceto SUVs em Natal e Curitiba, além de algumas opções no Galeão. Procurada, a empresa não retornou o contato.

 

Na Movida, até sexta-feira, havia carros básicos disponíveis em Curitiba, Rio (Galeão) e São Luís. Em Fortaleza, só vans e picapes. O diretor da locadora, Jamyl Jarrus, explica que nesta época do ano é comum haver remanejamento entre as unidades, conforme a demanda:

 

“Podemos ver uma demanda mais forte em tempo real e ceder carro para esse local. Às vezes, leva até de São Paulo”, afirma Jarrus.

 

E não é raro o carro reservado não estar disponível na unidade quando o cliente chega. Foi o que aconteceu com o administrador Diogo de Araújo Canali e sua noiva, Caroline Haro, de Curitiba, que pesquisaram em várias locadoras um carro para percorrer praias entre Pernambuco e Alagoas por dez dias este mês. Mesmo com a reserva feita quatro meses antes, ao chegarem a Recife não havia mais o modelo básico que haviam escolhido.

 

“Aí nos deram um upgrade de outro modelo”, conta Canali.

 

Prioridade para os caros

 

Apesar das dificuldades de compra de veículos em alguns meses este ano, Jarrus diz que a frota da Movida cresceu em 2021. Segundo ele, a taxa de ocupação sempre tem um pico entre meados de dezembro e de janeiro. Por isso, a empresa vem, desde novembro, fortalecendo as praças mais procuradas: Rio, Florianópolis, Porto Alegre e capitais nordestinas, que dão acesso às praias e outros locais turísticos nos estados.

 

Na opinião de Jarrus, não faltarão carros neste verão, mas quem conseguir alugar terá de pagar mais pelos premium, pois os modelos de entrada, mais baratos, já estão reservados. Ele atribui o aumento das reservas aos turistas acostumados a viajar para o exterior, que planejam férias com antecedência, e decidiram ficar no país.

 

Há também a alta dos preços, que Jarrus estima em 35%, em média. Isso porque, diante da escassez de semicondutores, as montadoras preferem focar em modelos de maior valor agregado, com maior margem de lucro.

 

“Se tem pouco chip, as fábricas produzem os carros mais caros. Acaba tendo que repassar para o consumidor”, diz Jarrus. (O Globo/Raphaela Ribas)