O Estado de S. Paulo
Chamado de “dinossauro” por executivos da matriz na Alemanha, por defender um combustível que parecia ultrapassado em tempos de eletrificação mundial de carros, o presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, acabou convencendo o conselho mundial de que o etanol é uma alternativa no processo de descarbonização para países menos desenvolvidos. Ganhou aval para criar um centro de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis que, segundo ele, poderá exportar tecnologia, motores e veículos para países com as mesmas condições do Brasil. Confira trechos da entrevista.
Por que o sr. assumiu a tarefa de ser ‘garoto-propaganda’ do etanol?
Nos últimos dois anos, vi a Europa, os EUA e a China avançarem muito em carros elétricos e pensava no futuro da indústria automobilística do Brasil. Não acho que as empresas vão instalar fábricas de elétricos na região. Mas, quando falava de etanol na matriz, me chamavam de dinossauro, pois consideravam uma solução antiga.
Como mudaram de visão?
A convite do CEO, Herbert Diess, apresentei ao conselho global os conceitos do etanol que, dependendo do carro, emite até 80% menos CO2 do que um a gasolina, quando medido o ciclo completo de produção. Mostrei que o Brasil não precisa esperar 20 anos ou mais até a eletrificação chegar para promover a descarbonização. O País tem um modelo sustentável a oferecer. O conselho entendeu e pôs o biocombustível no mapa estratégico do grupo.
O que isso significa?
Vamos usar parte dos R$ 7 bilhões de investimento previsto até 2026 em um centro inédito de P&D para trabalhar, entre outros projetos, no desenvolvimento de carros híbridos flex, que poderão usar o etanol da cana ou outro biocombustível e, mais para o longo prazo, no carro a célula de combustível que vai gerar hidrogênio com etanol. Nesse projeto temos parceria com a Unicamp.
Não será mais uma ‘jabuticaba’ brasileira, algo que só existe no Brasil?
Dessa vez será uma ‘jabuticaba for export’, pois poderemos exportar motores, engenharia e tecnologia flex para países como África do Sul, Índia, Rússia e sudeste asiático, que também vão demorar a ter um processo de eletrificação. Na África, 80% da matriz energética é carvão. A Índia está perto de aprovar lei para uso de motores flex. No primeiro trimestre de 2022, vou para lá para ajudar a desenvolver a nova política.
Outras montadoras acompanham essa missão?
Poucas.
Por quê?
De forma genérica, a maior parte das montadoras fala que o futuro é elétrico, e cada uma tem sua estratégia. A própria Volkswagen está investindo 75 bilhões de euros em elétricos e híbridos. Mostramos que também há outros caminhos. Para que investir bilhões em carros elétricos no Brasil se já temos os biocombustíveis? Além disso, qualquer política pública tem três bases: meio ambiente, social e econômica. A indústria do etanol tem as três porque também gera empregos. Além disso, com o bagaço da cana, que antes era resíduo, hoje se faz biometano e biogás, ou seja, o etanol abastece carros e a matriz energética.
O Brasil não ficará para trás no mercado de elétricos?
A importância não é o carro ser elétrico ou a combustão, mas neutro em carbono e sustentável, e o etanol faz isso. Se o país tem matriz energética limpa e o consumidor quer carro elétrico, faz sentido ter uma política mais agressiva de eletrificação. No Brasil, o carro elétrico faz sentido, pois a matriz energética é limpa, mas, quando comparamos com o etanol, o resultado (de emissão) é mais ou menos o mesmo. O mais vantajoso aqui é o carro híbrido flex, porque junta a boa matriz energética com o etanol.
No futuro, o Brasil terá frota significativa de elétricos?
A Volkswagen terá carros elétricos e híbridos a etanol. O que temos de incentivar é o carro com a tecnologia mais sustentável. Para mim, são tecnologias complementares. Imagina se o Brasil tiver de esperar a eletrificação? Pode levar 20 ou 30 anos, mas precisamos descarbonizar antes, e o etanol é fantástico para esse período. Depois podemos equilibrar a demanda com elétrico e híbrido.
No longo prazo, pode ter produção de elétrico aqui?
Acho que não, por causa do alto investimento necessário. Até agora, não se viu anúncio na América Latina. Talvez tenha alguma coisa em CKD (só montagem), mas estou falando em fábricas de carros, de baterias, de reciclagem de baterias. A Alemanha vive uma transformação, porém com forte apoio do governo. O país tem visão estratégica para o setor, vai investir e gerar empregos. Na indústria brasileira, não enxergo investimento pesado em elétrico nos próximos 10 a 15 anos. Mas posso estar equivocado. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)