O Estado de S. Paulo
Nos últimos dias, a mídia publicou diversas previsões catastrofistas para a economia brasileira, prognosticando para 2022 uma evolução do Produto Interno Bruto (PIB) no zero vermelho ou preto. As análises partem do pressuposto correto de uma alta da inflação, em consequência de juros elevados e queda de demanda, junto com a insegurança atribuída à política do ano eleitoral, resultando num viés de recessão e desemprego.
Mas o mapa não é igual ao território sobrevoado. O problema não é a demanda, mas, sim, a oferta. Portanto, as medidas a serem tomadas são diferentes e as consequências também serão. Essa é uma realidade brasileira e internacional, não é apenas nossa. A última vez que tivemos situação similar foi em 1972, na crise do petróleo. As medidas corretivas são diferentes, e muitos não se atêm a este diagnóstico e erram as previsões.
Durante a pandemia houve uma disrupção das cadeias produtivas globais. Enquanto a digitalização era muito demandada, a indústria parou. As demandas por componentes eletrônicos mudaram de indústria, saindo dos automóveis e equipamentos caseiros para atender a tudo o que estava ligado à comunicação digital. Quando a indústria retomou seu ritmo, não conseguiu reposicionar seus suprimentos e seguiram-se dois incidentes de incêndio e pandemia nos fornecedores estratégicos de componentes eletrônicos. A partir daí, outras cadeias mostraram seus rompimentos pela explosão da demanda na última milhagem, a escassez de elementos básicos e, em consequência, houve o aumento de preços e a postergação de entregas. A logística, agora reversa, mostrou seus gargalos na falta de contêineres e, depois, na crise de importações, pelos procedimentos mais prolongados do que as exportações.
Nas empresas globais, a gestão de crise tem sido realizada pela escassez de suprimentos, não da demanda. Reuniões dos gestores são para reduzir as perdas, tentando acomodar clientes não atendidos. No Brasil, em setembro, tivemos várias paradas por semanas nas montadoras por falta de componentes eletrônicos, pneus, aço, plásticos, embalagens, etc. Os preços, claro, subiram, fazendo com que as vendas fossem postergadas. No caso brasileiro, além da reestruturação da cadeia de suprimentos, houve uma estiagem severa, que, pelo sistema integrado energético, fez a bandeira vermelha pesar no bolso dos consumidores.
Como ficaram os indicadores econômicos? Redução do PIB no mês a mês, inflação em alta, juros em alta, bancos alertando para a inadimplência, menos crédito. Mas com detalhes interessantes: o emprego formal aumentou, o comércio demandou mais (com as lojas abrindo e shoppings repletos), as viagens foram marcadas, as plataformas digitais de encomendas postergaram as entregas. Como isso aconteceu?
O problema estava na oferta, por essa razão o PIB caiu e a inflação cresceu – não pela demanda, mas pela oferta. PIB zero para 2022? Pouco provável. O crescimento até o terceiro trimestre de 2021 foi de 5%. As informações mostram que o quarto trimestre terá uma queda de talvez 1%, chegando a 4%. A razão desta queda foi que não houve demanda em razão da falta de oferta. Venda perdida? Não, venda postergada. Então, possivelmente, teremos um fenômeno de entrega postergada em muitas categorias. Lembrem-se do que aconteceu com os automóveis. Para ficar em alguns exemplos, podemos ter vendas postergadas no comércio, no entretenimento e no turismo.
Se entramos no primeiro trimestre de 2022 com um lastro de crescimento na ordem de 4%, podemos, na melhor das hipóteses, decrescer mais 1% a 2%? Então, o segundo trimestre ainda teria um crescimento de 2%. E, se for assim, adiante no terceiro e quarto trimestre, como o Brasil poderia alcançar um crescimento zero ao fim de 2022? Só se houver uma brutal recessão no segundo semestre, com redução entre 2% e 3% do PIB do primeiro semestre. Historicamente, o segundo semestre no Brasil tem sido melhor do que o primeiro, em razão do agronegócio, do consumo, etc.
Além disso, nos últimos três anos foram feitos mais de 120 leilões para projetos de infraestrutura, com captação acima de R$ 600 bilhões, que irão se concretizar ao longo de dez anos. Nos primeiros anos, não vimos o investimento refletido no PIB, mas veremos.
Por mais que a política possa interferir negativamente no clima de negócios, não deve passar ao largo dessas realidades. E, claro, o câmbio nas alturas, R$ 5,5 por dólar, já está precificado. Quem está comprado, o que deseja?
O conjunto desta análise mostra que será muito difícil de o Brasil crescer por volta de um zero vermelho ou preto. É mais provável que saia de 2022 com crescimento por volta de 2% a 3%. Quem apostar em recessão pode ter uma surpresa desagradável, se o seu competidor fizer exatamente o contrário e acertar.
Previsões pessimistas para a economia brasileira no próximo ano estão desconsiderando a inflação de oferta e o crescimento estrutural. (O Estado de S. Paulo)