Brasil está atrasado na regulação do mercado de carbono

O Estado de S. Paulo

 

O Chile taxa as empresas do setor energético que ultrapassam os limites de emissão de gases do efeito estufa desde 2014, enquanto o México já testa um projeto-piloto de regulação do mercado de carbono para todos os setores da economia. Já o Brasil fica atrás de países latino-americanos e também de potências econômicas, como União Europeia e China, na definição governamental de políticas desse tipo para conter as mudanças climáticas. Após a aprovação das regras do mercado global de carbono na Cúpula do Clima (COP-26), em Glasgow, regulamentar esses mecanismos internos é um desafio.

 

Um crédito de carbono é um certificado que atesta a redução de emissões de gases-estufa e equivale a uma tonelada de gases nocivos a menos no planeta. A obtenção desse crédito está atrelada a projetos para mitigar impactos, como ações de reflorestamento. O mercado de carbono é a área de negociação desses títulos. O governo define limites para setores produtivos que são convertidos em “permissões” ou “licenças” para poluir. Se uma empresa ou país emite mais carbono que o teto, poderá comprar títulos de outra empresa ou país que não gastou sua cota. Hoje, o Brasil tem apenas mecanismos voluntários – empresas e governos assumem metas ambientais por conta própria. Para compensar o impacto ambiental das suas atividades, essas entidades investem em projetos que visam a reduzir as emissões. Como não há norma oficial, cada uma usa os próprios critérios.

 

O País tem propostas no Congresso e havia expectativa de que a discussão avançasse durante a COP. O Ministério do Meio Ambiente, porém, tem afirmado que pretende debater outras propostas.

 

No Congresso, o projeto mais avançado para criar um mercado de carbono é o PL 528/21, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Segundo ele, “só existe uma dificuldade para a votação: a intransigência e a falta de compreensão do ministro do Meio Ambiente (Joaquim Leite)”, critica. A proposta regulamenta pontos como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. As negociações seriam geridas pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos.

 

O texto também cria regras para um mercado voluntário e as transações seriam isentas de PIS, Cofins e CSLL. A proposta dá cinco anos para o governo regulamentar o programa de compensação. Nas contas de Ramos, o Brasil tem potencial de US$ 70 bilhões a US$ 100 bilhões (entre R$ 400 e R$ 570 bilhões) para negociar no mercado global.

 

Já o Ministério do Meio Ambiente diz que quer ouvir outras propostas. “Existem diversos textos propositivos sendo discutidos com diferentes agentes da sociedade e aparentemente ainda não existe a devida maturidade e suficiente debate com a sociedade para atingir unidade de visões e a definição de um texto”, afirma Marcelo Freire, secretário adjunto da Secretaria de Clima e

 

Relações Internacionais.

 

Segundo ele, está em construção a agenda para ouvir empresários e deputados. Ele ainda enfatiza a importância de a regulamentação ser operacional em larga escala, sem criar “mecanismos em que os mais pobres acabam pagando a conta dos mais ricos”.

 

Pressão

 

“Uma regulamentação global só pressiona mais o país em direção a aspectos necessários, como as condições básicas para atuar nesse mercado com o requisito da redução drástica do desmatamento”, avalia Laura Albuquerque, gerente de finanças sustentáveis da consultoria de sustentabilidade Way Carbon.

 

“Para cumprir as metas, o Brasil precisa construir um pacote de soluções. Uma delas é o instrumento de preço, que pode ser o tributo ou o mercado regulado de carbono”, diz Guarany Osório, do programa de Política e Economia Ambiental do Fgvces. “O Brasil ainda não optou por nenhum dos dois caminhos.”

 

Já Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), alertou para o risco de barreiras comerciais climáticas. “A ausência de um mercado regulado doméstico vai gerar prejuízos e perda de competitividade internacional para as empresas brasileiras. Elas não conseguirão assegurar que produzem seguindo exigências de proteção climática adotadas no mercado mundial e poderão enfrentar barreiras comerciais climáticas”, argumenta.

 

Algumas entidades pensam diferente. “Embora as regulamentações de mercados interno e externo de carbono estejam andando em paralelo, são questões distintas e independes uma da outra”, opina Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “É importante, porém, que a metodologia e as métricas adotadas na legislação brasileira sejam aceitas internacionalmente para atrair compradores.”

 

Lá fora

 

Dados do Banco Mundial apontam que há 64 iniciativas de precificação de carbono no mundo, em forma de imposto ou de mercado. Na primeira opção, o governo cobra um tributo das empresas por emissão acima dos limites estabelecidos. Foi isso que a Colômbia fez em 2016 com a indústria energética, refinarias e petroquímica. “Uma compensação pode ser feita com projetos de energias renováveis e atividades florestais”, explica o professor colombiano Santiago Ortega, especialista em energia sustentável.

 

No mercado regulado ou ETS (sistema de comércio de emissão, em inglês), os governos limitam a quantidade de emissões em determinados setores. É como se as empresas tivessem uma espécie de orçamento com a quantidade de carbono que podem liberar. Para poluir acima da cota, é preciso comprar mais licenças.

 

Reconhecido como líder regional na área, o México trilha os dois caminhos, a taxa e o mercado regulado. O tributo sobre carbono, de 2013, foi o primeiro em escala nacional do continente e o pioneiro de um país em desenvolvimento. A taxa foi fixada em US$ 3/tco2e incidindo sobre combustíveis. O passo seguinte foi implementar o sistema nacional de inventário obrigatório. A cada três anos, as empresas preenchem relatório de verificação. O projeto-piloto obrigatório é de 2020; a operação definitiva tem início em 2022.

 

Já o Chile foi o primeiro da América do Sul a criar imposto sobre as emissões, em 2014. O alvo inicial foram termoelétricas a carvão, que chegaram a pagar US$ 5 por tonelada de CO2 liberada na atmosfera.

 

A criação do mercado nacional de carbono estava prevista no projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), iniciativa do Banco Mundial que já apoiou 23 países na precificação de carbono. Coordenad0 em parceria com o governo, o estudo, de 2016 a 2020, concluiu que a regulamentação ajudaria a cumprir metas climáticas e aproveitar oportunidades econômicas. O projeto não saiu do papel.

 

Avançados Nas contas do Banco Mundial, existem hoje 64 iniciativas de precificação de carbono no mundo. (O Estado de S. Paulo/Gonçalo Junior)