Seminário da SAE debate o assunto

O Estado de S. Paulo  

 

Não é por falta de estudos e tentativas de encontrar o melhor caminho para a eletromobilidade que o País não fará a transição adequada entre veículos com motor a combustão e eletrificados. Uma série de debates está acontecendo para discutir um tema que já virou pauta mundial.

 

Quais medidas a indústria automotiva – montadoras e segmento de autopeças – vem adotando para virar a chave da eletrificação no País? Estamos preparados para a chegada dos carros movidos a bateria? Essa e outras reflexões deram o tom no 10o Simpósio SAE Brasil de Veículos Elétricos e Híbridos, realizado em outubro.

 

“Até agora, um desenvolvimento ainda tímido ocorreu na área dos híbridos flex e inovações na micromobilidade elétrica”, acredita Ricardo Takahira, vice-coordenador da comissão técnica de veículos elétricos e híbridos da SAE Brasil. “É pouco em relação ao que acontece na Europa, na Ásia e nos EUA, em que, mesmo com prioridade para o petróleo, há novidades com os elétricos.”

 

Ele diz que a implantação da eletromobilidade em escala global envolve práticas econômicas inéditas e critérios rígidos de responsabilidade ambiental, social e de governança, que preparam o terreno para o surgimento de soluções tecnológicas. A seu ver, a discussão não se resume à mudança do powertrain clássico, com motor a combustão, para o eletrificado. também é preciso considerar o uso de biocombustíveis e a hibridização, embora algumas fabricantes defendam que os modelos híbridos estejam condenados a uma vida curta.

 

“O Brasil possui muitas possibilidades energéticas e opções de combustíveis sustentáveis. Mas ainda carece de um marco regulatório mais incisivo, com datas e objetivos para as empresas justificarem as ações locais para suas matrizes”, destaca Takahira.

 

Descarbonização 

 

Há casos também fora do âmbito dos automóveis de passeio. “Motivado pelo sistema elétrico metroferroviário existente há décadas, o setor marítimo dá passos em direção aos combustíveis verdes, como o hidrogênio, solução também apontada para os veículos pesados fora do ambiente urbano”, acrescenta Ricardo Takahira.

 

A eletrificação caminha de mãos dadas com a descarbonização do meio ambiente. Em sua apresentação, Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), revelou que 13% das emissões, no Brasil, são provocadas pelo transporte. A agropecuária (35%) e o desmatamento (27%) são os maiores responsáveis pelos gases tóxicos despejados na natureza. Nos Estados Unidos, a parcela de culpa dos veículos é de 29%; e, na Europa, 23%.

 

No entendimento de Moraes, o cenário possível para a eletrificação no País se dará de 10 a 15 anos. Para que isso aconteça, alguns fatores precisarão influenciar a evolução das rotas tecnológicas, como estímulos governamentais, desenvolvimento da indústria, disponibilidade de infraestrutura de produção e distribuição e paridade dos custos de veículos elétricos, em comparação aos de motores a combustão.

 

Sem políticas públicas 

 

“A convergência dessas forças vai moldar a descarbonização, no País, nos próximos anos, em três estágios”, diz o presidente da Anfavea. O primeiro chama-se inercial. Em um cenário mais conservador, os motores a combustão ainda dominarão a frota, em 2035, ao passo que os eletrificados – com 1,3 milhão de veículos nas ruas – atenderão a segmentos específicos, requisitos de emissões e clientes corporativos.

 

Na segunda situação, batizada de convergência global, a evolução tecnológica e o ritmo de crescimento permitirão que os veículos elétricos ganhem escala, chegando, em 2035, a patamares similares aos da Europa, com 2,5 milhões de unidades. “Nesse caso, o Brasil necessitará de 150 mil carregadores e investimentos de R$ 14 bilhões”, projeta Moraes.

 

O protagonismo de biocombustíveis é o terceiro estágio. Nele, o etanol ganha mais espaço como personagem da descarbonização, beneficiado pela frota de carros flex e ampla infraestrutura de produção e distribuição. “Em 2030, o consumo de etanol aumentaria em 18 bilhões de litros, exigindo área plantada adicional de 1 ou 2 hectares para atender à demanda”, salienta. “O maior uso do etanol acelera a descarbonização a curto e médio prazos ao reduzir a emissão da frota circulante.”

 

No entanto, Moraes lembra que todo o estudo em torno da descarbonização esbarra em dois paradoxos brasileiros: o envelhecimento da frota e a isenção de IPVA para automóveis acima de 20 anos. “Se não houver uma política que ataque e resolva a frota cada vez mais velha, jamais acontecerá a redução de emissões no País”, decreta, “e, na medida em que o governo exime os carros acima de 20 anos de pagar IPVA, ele estimula a livre circulação dos maiores agentes poluidores.”

 

Tais dificuldades, por fim, chegam a um ponto complicado: a falta de políticas públicas para a eletrificação. “Enquanto Europa, Estados Unidos, China e Índia avançam nessa pauta, o Brasil segue completamente estagnado”, lamenta Moraes. Consequentemente, a eletromobilidade em construção no País continuará sempre um passo atrás – ou mais – em relação ao resto do mundo. (O Estado de S. Paulo/Mário Sérgio Venditti)