Aposta no hidrogênio, o combustível do futuro

O Estado de S. Paulo  

 

Elemento mais abundante do universo, o hidrogênio virou a última fronteira energética para um futuro neutro em gás carbônico (CO2) e já movimenta bilhões de dólares entre empresas e investidores. Um levantamento feito pela consultoria Mckinsey mostra que, até julho, havia 359 projetos para a produção de hidrogênio verde em grande escala no mundo, o que somava US$ 150 bilhões em investimentos. Mas esses números mostram apenas o começo de uma revolução no mercado global de energia, que teria o Brasil como um dos líderes.

 

Embora possa ser encontrado em grande quantidade, o hidrogênio na Terra só existe na combinação com outros elementos. Ele está na água e nos hidrocarbonetos, como gás, carvão e petróleo. Para consegui-lo na forma pura, é preciso separá-lo. Esse processo já é conhecido no mundo na produção do hidrogênio marrom, cinza e azul, que usam combustíveis fósseis – as cores indicam o combustível usado.

 

Atualmente, são produzidos mais de 60 milhões de toneladas por ano do produto para refinarias, siderúrgicas e fabricantes de amônia, entre outros.

 

Revolução

 

A revolução, no entanto, vem do hidrogênio verde, considerado o combustível mais limpo do mundo. Ele não gera gases poluentes nem durante a combustão nem durante a produção. A aposta do mundo para limitar o aquecimento global até 2050 está num método criado há quase 200 anos pelo químico e físico britânico Michael Faraday. Trata-se da eletrólise da água, que separa o hidrogênio do oxigênio por meio de uma corrente elétrica.

 

Para ser considerado verde, a energia elétrica tem de ser de uma fonte totalmente renovável, como a eólica e a solar – ainda não está claro se as hidrelétricas seriam consideradas verdes por causa do impacto durante a construção.

 

A solução é vista como a principal alternativa ao petróleo – até mesmo para as petroleiras. Para não ficar para trás, a maioria delas estuda projetos para a produção de hidrogênio verde. Na BP, por exemplo, o presidente da multinacional britânica, Mario Lindenhayn, afirma que o desenvolvimento do combustível está em avaliação em sete centros da companhia, na Europa e na Austrália. Shell e Petrobras também seguem o mesmo caminho, assim como as empresas de energia elétrica e terminais portuários, que estão de olho nas exportações futuras.

 

A multinacional alemã Thyssenkrupp é outra companhia ativa no desenvolvimento de projetos mundo afora. A empresa é fornecedora de tecnologia e constrói toda a planta de eletrólise para a quebra das moléculas. A companhia participa de projetos na Alemanha, no Canadá, na Austrália e na Arábia Saudita. No Brasil, alguns negócios em discussão devem ser fechados nos próximos meses, diz o presidente do grupo para América do Sul, Paulo Alvarenga.

 

Potencial

 

A efervescência no setor foi captada pelo banco de investimento Goldman Sachs, que calcula que até 2050 o mercado de hidrogênio no mundo ultrapassará US$ 11 trilhões. Tamanha euforia se deve ao potencial do produto. O hidrogênio tem três vezes mais energia do que a gasolina com a vantagem de ser uma fonte limpa. “Essa é uma tendência sem volta. O que está em jogo não é a competição (de empresas e países), mas a sobrevivência mundial”, diz o coordenador geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, Nivalde de Castro.

 

Ele lembra que no ano passado a Alemanha já havia anunciado leilões para compra de hidrogênio verde. Nessa corrida, o Brasil pode ser um dos grandes beneficiados. Com amplo potencial para geração eólica e solar, o País teria capacidade de produzir hidrogênio verde para consumo próprio e para exportação.

 

Segundo o sócio da Mckinsey João Guillaumon, o Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais na produção do hidrogênio verde. Cálculos da consultoria mostram que até 2040 a receita do País com esse combustível limpo ficará entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões, sendo 70% do montante no mercado doméstico. Entre as principais aplicações estão o uso no transporte de carga e na siderurgia, por exemplo. Mas, para alcançar esse patamar, será necessário investir algo da ordem de US$ 200 bilhões para formar a indústria e produzir o hidrogênio.

 

O volume de energia elétrica terá de ser elevado em 180 gigawatts (GW) apenas com renováveis. Isso significa dobrar a capacidade atual da matriz elétrica brasileira, que hoje inclui hidrelétricas, térmicas, eólica, solar e nuclear. A fonte eólica, por exemplo, tem cerca de 20 mil megawatts (MW) instalados e a solar, 10 mil MW. Ou seja, para pensar na produção de hidrogênio verde é preciso ampliar exponencialmente essas fontes.

 

Desafios

 

Apesar de ser a grande aposta do mundo, a produção em larga escala do produto terá de superar desafios. O uso intensivo da energia é um deles. Uma planta de eletrólise de 90 MW, por exemplo, produz 11,1 mil toneladas de hidrogênio. E estamos falando em uma demanda de milhões de toneladas. Só a Alemanha quer comprar inicialmente 5 milhões de toneladas.

 

A questão é estudada pela professora do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos Lucia Helena Mascaro. Ela trabalha em tipos de catalisadores para reduzir o consumo de eletricidade no processo de separação do hidrogênio. A platina, diz a professora, seria um bom material, mas é caro e escasso.

 

“Estamos buscando metais que tenham comportamento similar à platina, mas que sejam abundantes e baratos. Estamos avançando”, afirma. Entre os produtos que têm apresentado boa performance estão ligas de níquel, sulfetos e fosfetos. “Hoje, a demanda de energia para produzir 2,4 milhões de toneladas seria de 3,6 mil terawattshora. Isso significa consumir toda a energia produzida na Europa durante um ano.”

 

Para Lucia Helena, outro desafio é a segurança do produto, pois é altamente inflamável e explosivo. Como um dos usos esperados para o hidrogênio é no transporte, o armazenamento tem de ser feito com muito cuidado. Isso leva à questão do transporte do hidrogênio, sobretudo para exportar, destaca o também professor da Universidade Federal de São Carlos Ernesto C. Pereira.

 

Um dos métodos avaliados pelo mercado – por ser mais maduro e promissor – é transformar o hidrogênio em amônia e transportá-la em navios por grandes distâncias. No destino, a amônia verde pode ser usada diretamente na indústria, como na fabricação de fertilizantes, ou transformada novamente em hidrogênio. O produto também pode ser levado na forma de gás comprimido ou liquefeito.

 

Mas há outro desafio: baratear o custo do produto. Hoje o preço do quilo do hidrogênio cinza é de cerca de US$ 2. O verde está entre US$ 5 e US$ 8. O objetivo é que, até 2040, esse valor esteja abaixo de US$ 1. No Brasil, segundo a Mckinsey, o preço do quilo estaria em US$ 1,5 em 2030. “O hidrogênio será como o computador, o notebook e o telefone. Quando foram lançados, eram (produtos) apenas para uma elite e hoje estão popularizados. A massificação da produção vai reduzir os preços”, diz Alvarenga, da Thyssenkrupp. (O Estado de S. Paulo/Renée Pereira)