O Estado de S. Paulo
A paixão de Sandra Nalli pelos carros começou cedo. Aos 14 anos, já dirigia o Fusca do pai. Foi nessa época que se tornou menor aprendiz em um centro automotivo da Dpaschoal em Mogi Mirim (SP). Lá, o trabalho era basicamente buscar e levar, de bicicleta, peças para carros. Esse foi seu início na empresa em que trabalhou por 20 anos, antes de abrir a Escola do Mecânico, hoje uma edtech (startup de educação) que já passou por sua primeira rodada de captação.
Sandra, que tem 41 anos, está hoje à frente de uma rede com 36 escolas, sendo 20 próprias. E alcançou um marco com um gosto especial: a participação das mulheres nas salas de aula já é de 20%, provando que a oficina não é um território exclusivamente masculino.
Para atrair as mulheres, desde o início todas as peças de marketing da escola jamais foram voltadas apenas ao gênero masculino – e Sandra sempre foi a “cara” do negócio. “Acho que as mulheres pensam: se ela pode, eu também posso”, diz.
Antes de conseguir crescer, Sandra teve de encarar o preconceito em um ambiente ainda muito masculino. Na Dpaschoal, ainda muito jovem, Sandra foi cavando suas promoções. Aos 22 anos, uma vaga para ser chefe de oficina foi aberta. “Pedi para disputar, mas ouvi do meu chefe que os clientes poderiam não se sentir seguros e sobre o que os outros mecânicos poderiam pensar”, conta.
Mesmo assim, Sandra insistiu. Seu chefe aceitou sob a condição de que houvesse um período de teste. Depois disso, ficou com o cargo. “Comecei a aprender mecânica na raça. Fiz um curso no centro de treinamento da empresa e ouvia: ‘moça, acho que você entrou na sala errada’”, recorda. No cargo, para atender aos clientes e evitar discriminação, Sandra adotou uma prática: chamava um colega homem para ficar ao seu lado no atendimento. Aos poucos, ganhou confiança da equipe e dos consumidores.
Alguns anos mais tarde, Sandra foi promovida para comandar uma grande loja da rede, em Campinas (SP). “Lá percebi que o preconceito do público mais elitizado era igual.” Foi nessa época que ela percebeu que existia um gargalo de mão de obra no setor.
A ideia do seu próprio negócio não veio dali, mas de um trabalho voluntário dentro da Fundação Casa (antiga Febem). “Comecei dando palestras motivacionais, mas em pouco tempo sempre acabava caindo em mecânica”, diz.
Ela percebeu que poderia fazer algo mais. Alugou uma sala, para onde levou algumas sucatas que poderiam usadas em aulas práticas e começou a receber os menores que já estavam em liberdade assistida para aulas de mecânica básica.
Gênese do negócio
O nome Escola de Mecânicos surgiu de um grafite que Sandra pediu para um amigo fazer na sala onde dava aula aos adolescentes. De forma inesperada, começou a receber perguntas sobre o custo do curso. “Percebi que tinha um negócio”, comenta. Dali partiu para o Sebrae para estudar – e recebeu a validação de sua tese.
No começo da empresa, há dez anos, Sandra dava as aulas com a ajuda de um ex-colega. Para pagar as contas, seguiu com seu trabalho na oficina. “Fazia dupla jornada: no sábado, dava aulas o dia todo.” Ela se despediu da Dpaschoal em dezembro de 2014, quando percebeu que seu negócio “estava bombando”.
Hoje, a rede tem 300 funcionários e mais 460 instrutores. A Escola do Mecânico já formou cerca de 38 mil profissionais. A rede quer dobrar o número de escolas até o fim do ano que vem, entre próprias e franquias, com atenção ao Nordeste.
Foco no emprego
“Com o tempo, começamos a entender que precisávamos mais do que vender curso”, diz a empreendedora, que criou um método para ajudar a colocar os estudantes no mercado de trabalho. Hoje, um app da rede já conecta os formandos a oficinas. Cerca de 30% dos estudantes conseguem emprego graças à conexão feita pela escola.
Em 2021, com as montadoras tendo dificuldades de entregar carros novos, por conta de problemas na cadeia de fornecimento, a frota de carros tem ganhado uma vida útil maior, o que fez crescer a procura por oficinas mecânicas. “O número de vagas subiu 56% em relação ao ano passado”, diz. Ela também está atenta às novas demandas do mercado, como os carros híbridos e elétricos.
Dez anos após abrir seu negócio, Sandra recebeu a validação máxima: um aporte de R$ 1 milhão do banqueiro e economista Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006. “Eles validaram o nosso propósito de impacto social e a viabilidade econômica do negócio”, diz. Com o dinheiro, Sandra poderá investir em tecnologia, ampliar o time para dar mais escala ao projeto e no desenvolvimento de novos cursos. “O dinheiro vai ser destinado a ampliar o impacto social.”
“Comecei a aprender mecânica na raça. Fiz um curso no centro de treinamento e ouvia: ‘moça, você entrou na sala errada”, Sandra Nalli Empresária. (O Estado de S. Paulo/Fernanda Guimarães)