Acordo sobre regras do mercado de carbono está perto de ser fechado

O Estado de S. Paulo

 

A Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26) entra no que pode ser seu último dia de negociações a caminho de um desfecho para estabelecer as regras de funcionamento do mercado global de carbono. Fontes diplomáticas já dão como certo que os entendimentos preliminares serão adotados pelos países em declaração hoje, em Glasgow, na Escócia. A delegação do Brasil cedeu nas tratativas e afirmou que os países estão “mais perto do que nunca” de chegar a um acordo para estabelecer o livro de regras, regulamentando o artigo 6 do Acordo de Paris.

 

A conclusão das rodadas de negociação se arrasta desde a formalização do acordo de Paris, em 2015, e é considerada um dos principais resultados de Glasgow. Na edição anterior da conferência, a COP-25 realizada em 2019, o Brasil foi um dos países que emperraram avanços e fizeram cobranças por contrapartida financeira para ceder. Agora a postura mudou.

 

Para observadores internacionais, empresários ambientalistas e cientistas que acompanham a cúpula do clima da ONU, a mudança do País está ligada à pressão interna do setor privado brasileiro sobre o governo para rever a posição que travava o acordo. O Estadão teve acesso a um posicionamento oficial da delegação do Brasil, lida em plenária ontem, pelo negociador Leonardo Cleaver Athayde, chefe do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty. Na reunião, o País indicou flexibilidade em abrir mão de algumas de suas propostas originais que não vinham sendo acatadas, para criar uma forma de contabilidade transparente das transferências de reduções de emissões, o comércio de carbono. “O Brasil tem apoiado um resultado equilibrado que permita a pronta implementação de abordagens cooperativas no artigo 6”, diz o texto brasileiro.

 

Uma das propostas abandonadas era não aplicar “ajustes correspondentes” em determinadas transações, o que poderia abrir caminho para uma dupla contagem de redução de emissões, tanto pelo país vendedor do crédito quanto por aquele que o comprou. Assim, ativistas ambientais dizem que poderia ser criada uma máquina de “lavagem verde”.

 

Negociações

 

As regras do mercado devem evitar que uma determinada redução de emissões, caso comercializada, seja contabilizada por mais de um país em suas metas declaradas no Acordo de Paris, as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs).

 

“O Brasil inicialmente propôs uma solução com prazo determinado para uma isenção dos ajustes correspondentes, para não serem aplicados a certas transações. Nos últimos dois anos, desde a COP-25, estivemos abertos a explorar a implementação dessa proposta, porém, infelizmente, não encontramos a abertura esperada”, disse a delegação na reunião. “Chegamos à COP-26 prontos a explorar outras soluções que as partes (países) sinalizaram positivamente antes, como a abordagem de autorização.”

 

Antes do início da COP-26, um grupo de 100 CEOs de empresas brasileiras divulgou carta em que cobrava do governo federal uma mudança de postura na conferência. A preocupação é que a manutenção das posições brasileiras defendidas em 2019, em Madri, causaria problemas e prejuízos ao setor privado. Permanecer com a mesma postura seria contratar ainda mais prejuízos futuros.

 

Créditos

 

O principal ponto que separava a posição do Brasil e dos países europeus era sobre a dupla contagem dos créditos de carbono. Quando um crédito é vendido ele passa automaticamente a entrar na conta do país comprador para abater o total de suas emissões. O Brasil insistia em uma posição que permitiria que esse mesmo crédito também entrasse no balanço de emissões do local em que foi gerado. Dessa forma, o mesmo crédito contaria duas vezes para ser descontado, na origem e no destino.

 

“Em Madri já havia essa pressão, mas aqui em Glasgow a própria ausência de Bolsonaro e a presença de governadores e parlamentares criaram um cenário propício para isso”, diz a cientista política Maureen Santos, professora da PUC-RJ e pesquisadora da Plataforma Socioambiental do BRICS Policy Center.

 

Na Escócia para acompanhar a conferência, ela afirma que a mudança de postura do Brasil veio acompanhada de maior comprometimento dos países desenvolvidos, fruto da preparação do Reino Unido para receber o evento e do presidente da COP-26, Alok Sharma.

 

Brasil mudou de postura após emperrar avanços na última cúpula do clima e cobrar contrapartidas financeiras. (O Estado de S. Paulo/Felipe Frazão e Emilio Sant’Anna)