O Estado de S. Paulo
A sinalização de que a Selic, a taxa básica de juros da economia, vai chegar logo aos temidos dois dígitos (alguns bancos já preveem uma taxa de 12% no começo do próximo ano) agravou o cenário já ruim para as ofertas de ações, e tem potencial para colocar fim a um ciclo historicamente inédito de entrada de novas empresas na Bolsa de Valores. Para especialistas, em meio a um ambiente de juros mais altos, risco fiscal e falta de previsibilidade da agenda do governo, os IPOS (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) previstos para o primeiro trimestre estão comprometidos.
Os investidores já estão “ariscos” há alguns meses. Do estágio de inicialmente assustados com os ânimos acirrados entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário, passaram a definitivamente chocados com o anúncio do furo no teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas. Cerca de 70 IPOS já foram cancelados este ano – dos quais R$ 7 bilhões somente na semana em que ficou claro que haveria o furo no teto.
Na semana passada, após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em que a Selic subiu para 7,75%, as chances de manutenção de um juro de um dígito foram por água abaixo. BNP Paribas, Asa Investments e Opportunity, por exemplo, elevaram suas previsões e veem a taxa básica a 12% no ano que vem. O banco Mizuho já fala em 12,75%. “Os riscos fiscais devem persistir”, diz o economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, William Jackson.
Apetite menor
Gestores acreditam que a Selic em dois dígitos elimina o apetite do investidor que busca retorno de curto prazo na Bolsa e também das pessoas físicas que vinham se educando e cada vez mais sendo atraídas pelas ações. “Sem dúvida que prejudica”, afirma o sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central. A Bolsa está ficando mais atrativa, ressalta ele, apenas para os investidores estrangeiros, pois as ações estão cada vez mais baratas em dólar. Ao mesmo tempo, esses investidores têm mostrado pouca animação com o Brasil.
Para o diretor de um banco de investimento estrangeiro, o movimento da Selic saindo dos 2% e indo para até o nível atual, na casa dos 7% a 8%, não é um grande problema para o mercado de capitais e as operações tenderiam a continuar ocorrendo. “Mas, com a taxa voltando para dois dígitos, nos 10%, 11%, já é outra discussão.” Com isso, a seletividade para comprar ações vai aumentar.
E após bater nos dois dígitos, as taxas devem seguir altas. “Vamos ter de ter juros altos por um ano”, afirmou o sócio-fundador e presidente da Verde Asset Management, Luis Stuhlberger, em evento da Anbima.
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Na visão de instituições financeiras, a Selic a dois dígitos já vinha sendo esperada e o juro é apenas parte de um arcabouço de más notícias para a renda variável, que inclui o aumento do risco fiscal, ruídos políticos e o desempenho ruim das ações de novatas na B3. Para Marcio Correia, sócio e gestor da JGP, o cenário negativo pode reverberar até no apetite para ofertas do começo do ano que vem.
Mas Roberto Reis, um dos sócios da gestora Meraki Capital, considera cedo para afirmar que os IPOS de 2022 estão sob risco. “Vai depender do comportamento do mercado no exterior e da direção que tomarem as eleições.”
Na avaliação de um gestor de outra grande casa, a chegada de uma terceira via nas eleições presidenciais pode levar o mercado de ações de novo para cima.
Após bater nos dois dígitos, a tendência é que os juros devem seguir altos por algum tempo. (O Estado de S. Paulo/Cynthia Decloedt e Altamiro Silva Junior)