O Estado de S. Paulo
O Brasil foi o país que mais regrediu em suas ambições de reduzir as emissões de gás carbônico (CO2) entre as nações do G-20, aponta um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta terça-feira, 26. Publicado a poucos dias da Conferência do Clima (COP-26), em Glasgow, o documento destaca ainda que as promessas climáticas para 2030 colocam o mundo no caminho de aumento de temperatura de pelo menos 2,7ºc neste século.
O Relatório sobre Lacuna de Emissões, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), detalha o status das promessas dos países para reduzir as emissões de CO2, chamadas de NDCS (sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas). As NDCS são apresentadas a cada cinco anos e refletem os compromissos de redução de emissões dos países para conter o aquecimento global.
No caso do Brasil, segundo o relatório da entidade global, a NDC atualizada “leva a um aumento absoluto” nas emissões, da ordem de 300 milhões de toneladas de CO2. A promessa brasileira de redução de emissões original, feita em 2015, e a promessa atualizada apresentam a mesma meta porcentual: de queda de 43% até 2030 em relação aos níveis de emissão de 2005.
O que muda é o ponto de partida para estimar os lançamentos de gases estufa. A gestão Jair Bolsonaro revisou retroativamente os dados brasileiros sobre emissões em 2005 – o que eleva a base de cálculo, de 2,1 bilhões de toneladas de CO2 por ano, para 2,8 bilhões. Essa manobra brasileira, chamada por ambientalistas de “pedalada climática”, foi contestada por entidades na Justiça e pode ser alvo de críticas na cúpula de Glasgow. Isso não significa que o Brasil seja o dono da pior meta, mas que o País tem caminhado no sentido contrário, de compromissos menos ambiciosos contra o aquecimento global.
Retrocesso
O retrocesso viola o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, que aponta que os países não podem retroceder em suas metas climáticas. A expectativa de ambientalistas ouvidos pelo Estadão é de que o Brasil apresente uma nova atualização até a COP26, que começa na próxima semana, ou mesmo durante o evento. Procurados pela reportagem, os ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores não se manifestaram.
O Brasil tem se isolado nas discussões ambientais, diante da postura de Bolsonaro de fragilizar os órgãos ambientais no combate a crimes na Amazônia. Desde 2019, o presidente também mantém relação conflituosa com países ricos que apontam problemas na preservação da floresta, que vem registrando alta de incêndios e de desmate.
Entre os países do G-20, apenas o México também apresentou revisão de meta que ocasiona crescimento das emissões, mas nesse caso, segundo a ONU, o aumento é “marginal”. No caso do México, um tribunal colegiado suspendeu este mês as metas de combate ao aquecimento global e determinou que a versão mais ambiciosa fosse retomada. Outros países mantiveram suas metas ou as tornaram mais ambiciosas. As novas versões com os maiores cortes de emissões, segundo o relatório, são dos Estados Unidos, da União Europeia, Reino Unido, Argentina, Canadá, China e Japão.
“Temos oito anos para reduzir quase à metade as emissões de gases de efeito estufa e ter uma possibilidade de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Oito anos para colocar em marcha planos, concluir políticas, executá-las, e finalmente conseguir as reduções. O tique-taque do relógio bate com força”, alertou Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma. (O Estado de S. Paulo/Emilio Sant’Anna Marques)