O Estado de S. Paulo
A Kavak, de Roger Laughlin, que atua no mercado de automóveis, encabeça lista de startups que chegaram ao País mirando a aceleração do crescimento.
Depois de startups brasileiras como Nubank, Quintoandar e Ebanx alçarem voo para o México nos últimos anos, chegou a vez de as startups de lá aparecerem por aqui. Atraídas pelas oportunidades no maior mercado de inovação da América Latina, empresas mexicanas estão desembarcando no País de olho em “apimentar” o ecossistema de tecnologia brasileiro.
A chegada que tem feito mais barulho é a da Kavak, que atua na compra e venda de automóveis seminovos e usados online. A empresa oficializou sua operação no Brasil em julho com um investimento inicial de R$ 2,5 bilhões. No mês passado, ela aumentou as fichas na expansão internacional após levantar um aporte de US$ 700 milhões.
“Sempre soubemos que iríamos sair do México em algum momento. Considerando o esforço de investir em outro país, faz sentido ir logo para um lugar de alto impacto como o Brasil”, diz ao Estadão Roger Laughlin, um dos fundadores da empresa.
Desde a chegada da Kavak ao Brasil, o ritmo de crescimento tem sido acelerado. A startup iniciou as atividades com 500 funcionários e já chegou a mil pessoas – a princípio, essa era a meta de equipe para dezembro. As seis lojas anunciadas em julho já viraram nove estabelecimentos espalhados pela região metropolitana de São Paulo.
Enquanto a Kavak se restringiu ao México por anos, há quem tenha dado o pulo mais rapidamente. Fundada em 2019, a startup mexicana de supermercados Justo viu a oportunidade de se diferenciar de outras empresas latinas que já estavam no Brasil, como Cornershop e Rappi, por meio de um sistema de fornecimento e armazenamento próprio de produtos perecíveis.
“O plano é que, em um ano, a gente atinja um tamanho no mercado brasileiro equivalente ao que conseguimos no México”, afirma Ricardo Martinez, cofundador da startup.
Em dois anos de operação, a Justo desenvolveu um app de supermercado desvinculado de lojas físicas. A empresa mantém armazéns onde todos os produtos vendidos pelo app são mantidos, com manuseio, temperatura e condições controladas. A proximidade com produtores é um dos fatores que permitem o estoque desse tipo de produto.
As mexicanas também estão de olho no e-commerce brasileiro, que cresceu 41% em 2020 chegando ao faturamento de R$ 87,4 bilhões, segundo o estudo da Webshoppers, da consultoria Ebit/nielsen. Com o plano de comprar marcas no Brasil, a holding de comércio eletrônico Valoreo começou a operar no País há três meses.
“Olhamos para oportunidades na América Latina e o Brasil é a maior economia da região. Sabíamos que viríamos para cá um dia”, conta o cofundador da startup Stefan Florea.
Fundada em 2020, a Valoreo adquire marcas que colocam seus produtos em marketplaces como Amazon e Mercado Livre. A startup tem hoje 25 marcas em seu portfólio – a atuação lembra a startup Merama, que levantou US$ 225 milhões na semana passada.
Aposta. As startups mexicanas estão chegando ao Brasil porque têm dinheiro para isso. Segundo estudo do fundo de investimentos Atlantico, as startups da América Latina devem fechar o ano com um total de investimentos de US$ 18,6 bilhões – em 2020, foram US$ 5,3 bilhões. Dentro disso, o México vem se consolidando como o segundo maior mercado de inovação da América Latina, com quatro “unicórnios” (startups avaliadas em US$ 1 bilhão): a Kavak, a empresa de criptomoedas Bitso, a processadora de pagamentos Clip e a fintech Konfío – essa última atingiu o status bilionário na semana passada, após captar US$ 110 milhões.
Julio Vasconcellos, sócio do Atlantico, explica que a abundância capital viabiliza internacionalizações agressivas. “Essa expansão talvez passe também a acontecer mais cedo para as startups. Pelo fato de o México ter um tamanho limitado, você precisa nascer com uma ambição internacional”, afirma.
Na visão de Pedro Carneiro, diretor da aceleradora ACE Startups, o Brasil pode funcionar como mercado intermediário para as startups mexicanas, antes de uma expansão para os EUA.
“É um movimento contraintuitivo: poderia ser mais óbvio ir para Argentina, onde o idioma é o mesmo. Mas as mexicanas acham que vale a pena encarar as diferenças do Brasil pelo tamanho do mercado e a alta adesão do brasileiro a novas tecnologias”, diz Carneiro.
“Juntando las almas”
Apesar dos atrativos, não faltam desafios no Brasil. Florea, da Valoreo, cita regras de impostos e regulações de importação. Já a Justo identificou a dimensão continental do Brasil como desafio para alavancar o serviço nas diversas regiões do País. Nesse processo, investidores atuam como ponte. A gestora Kazek Ventures, dos argentinos Hernán Kazah e Nicolas Szekasy, dois cofundadores do Mercado Livre, tem feito o meio de campo na região: a firma apoia startups mexicanas, incluindo Kavak e Valoreo – ao desembarcar no País, a holding de comércio eletrônico chegou a se instalar no escritório da Kaszek em São Paulo.
“O Mercado Livre foi exemplo de sucesso de regionalização na América Latina. Conseguimos ajudar as startups do nosso portfólio nessa empreitada com experiência e rede de relacionamento”, afirma Santiago Fossatti, sócio da Kaszek. Fora da Kavak, Roger Laughlin também atua como investidor-anjo de empresas do México, entre elas a Casai, que estreou em São Paulo em abril, com um serviço de hospedagem. Além do dinheiro, Laughlin dá conselhos sobre estruturação de estratégia, contratação de talentos e até indicação de advogados.
Sem dar nomes, ele adianta que novas mexicanas chegarão ao País em um “futuro próximo”. “À medida que empresas como a Kavak avançam, abrem-se portas. É preciso acabar com o mito de que o Brasil é um mercado complexo”, diz. (O Estado de S. Paulo/Bruna Arimathea e Giovanna Wolf)