O Estado de S. Paulo
A escassez de semicondutores derrubou a produção da indústria automobilística brasileira. O resultado em setembro foi o pior para o mês em 16 anos. Haverá impacto no PIB, embora economistas ainda não consigam avaliar dimensão.
A crise inédita de escassez de semicondutores em escala global, que tem prejudicado a produção, levou a indústria automobilística brasileira a registrar a quarta queda mensal seguida nas vendas de veículos novos, por falta de produtos no mercado.
Por ser um setor de longa cadeia produtiva, envolvendo diversos segmentos como os de peças, plásticos, vidros e eletrônicos, deve gerar implicações para outras atividades industriais e também para a área de serviços. Haverá impacto no Produto Interno Bruto (PIB), embora os economistas ainda não consigam avaliar a dimensão.
O resultado em setembro foi o pior para o mês desde 2005, com vendas de 155 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. O volume é 25,3% menor do que o de igual mês de 2020 e 10,2% inferior ao de agosto passado. No acumulado do ano foram vendidos 1,57 milhão de veículos, 14,8% superior ao resultado de 2020, um dos piores anos da história do setor por causa dos efeitos da pandemia de coronavírus.
“Estamos diante de muitas incertezas e da maior crise de abastecimento de veículos já vivida nos últimos anos”, disse o presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção Júnior.
A entidade refez suas expectativas de vendas pela terceira vez no ano e prevê agora um mercado total de 2,15 milhões de veículos, 230 mil a menos do que projetava em janeiro. O crescimento de 16% em relação a 2020 foi reduzido para 4,8%, puxado especialmente pelo segmento de automóveis, o mais atingido pela falta de semicondutores e o único que deve registrar queda em vendas no ano.
Segundo Assumpção, o atual momento “possivelmente é o ponto mais crítico da crise de abastecimento” de peças.
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), avalia que, por ser um setor de irradiação em diversos setores, o desempenho da indústria automobilística está colocando mais areia como obstáculo para o dinamismo industrial nos próximos meses. “Há um impacto significativo nas atividades industriais e econômicas de forma geral”, diz.
Os automóveis de maior venda no momento chegam a ter fila de espera de até quatro meses, dependendo da versão. Com frequência há paradas de produção, mesmo que alternadas entre as fabricantes, por falta de chips e outros itens importados principalmente da Ásia (leia mais ao lado).
Na opinião de Cagnin, há muitos obstáculos do lado da oferta de produtos – em razão também da dificuldade logística, como falta de navios e de contêineres para o transporte –, mas ele começa a ver também um arrefecimento na demanda. Entre os motivos citados estão a alta dos preços dos carros e também dos combustíveis.
“O consumo de um carro, que é um bem de consumo durável, pode ser adiado por mais um pouco, inclusive com esse ambiente ainda misto de trabalho remoto e no escritório”, diz. Para ele, essa situação específica não é tão ruim pois ajuda, inclusive, a não deixar o gargalo da oferta ainda mais profundo.
O economista do Iedi acredita que a transformação da cadeia automotiva globalmente pode fazer com que o setor retorne ao que era antes das crises de 2014 a 2016 e da atual. “Dificilmente o setor vai voltar aos níveis de seis anos atrás, porque há uma mudança no mundo inteiro por causa de toda a reorganização está ocorrendo.”
Demanda
O coordenador dos cursos da área automotiva da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Antônio Jorge Martins, acredita que o crescimento interanual verificado até o momento nas vendas está relacionado ao fato de as fábricas terem ficado fechadas em média por três meses do no passado, o que gerou falta de carros novos e demanda reprimida.
As paralisações atuais, em razão da escassez de componentes, são mais pontuais e não ocorrem em todas as fábricas de uma vez. A Toyota, por exemplo, vai abrir um terceiro turno de trabalho em uma de suas fábricas em novembro. Também há o aumento significativo na venda de veículos usados, o que demonstra que há demanda. “Se não fosse a falta de semicondutores, é bem possível que as projeções feitas no início do ano se confirmariam”, afirma.
Por outro lado, ele avalia que a demanda no próximo ano pode arrefecer em razão do aumento dos preços dos carros que não acompanham o poder de consumo da sociedade.
Martins acredita, contudo, que as fabricantes têm condições de substituir eventuais perdas nas vendas com a prestação de serviços, que vem crescendo entre todas as marcas. “O serviço de assinatura de veículos (locação de longo prazo) pode ser uma alternativa”, diz. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)