O Estado de S. Paulo
A inflação indica desarrumação na economia mais acentuada do que se vinha contando. Ela vem com procissão de crises.
O fator mais impactante nessa inflação de 0,87% de agosto não é o de ter sido a mais alta para o mês em 21 anos. Mas é vir acompanhada de uma procissão de crises. Crise institucional, crise política, crise fiscal, crise hídrica, crise sanitária, crise ambiental, crise do emprego, crise no suprimento de componentes.
Apesar de toda essa carga, poucos analistas apostavam que o avanço dos preços atingiria tal magnitude. Ela indica desarrumação na economia mais acentuada do que se vinha contando. É verdade que há certo componente da inflação que é importado e tem a ver com o que acontece no mundo inteiro nesse tempo que ainda é de pandemia.
Como a inflação por aqui é mais alta do que na maioria dos países, conclui se que a maior parte da alta de preços no Brasil reflete o ambiente de baixo nível de confiança na política econômica e a percepção de mais turbulência à medida que se aproximam as eleições.
Embora já se veja certo recuo nos preços das commodities, não há ainda sinais de que a inflação volte a embicar para baixo. Do ponto de vista macroeconômico, o quadro geral se encaminha para a estagflação (queda do crescimento com inflação) ou para alguma coisa perto disso.
O Banco Central falhou no diagnóstico, porque achava havia alguns meses que o surto seria apenas temporário. Por isso, demorou demais para acionar sua arma: a política de juros. Mas já avisou que tratará de puxar a Selic (juros básicos) para níveis acima dos que seriam puramente neutros e, por isso, agora se espera que, na próxima reunião do Copom, será obrigado a aumentá-la em até 1,5 ponto porcentual ao ano, acima dos 5,25% em que está hoje.
A inflação não é fenômeno meramente técnico. Pode vir acompanhada de forte componente psicológico, especialmente agora quando se dissemina a percepção de que a economia está fora dos trilhos. A disparada dos preços dos combustíveis (gasolina que já ultrapassa os R$ 7 por litro), do gás de cozinha (acima dos R$ 100 por botijão), em algumas regiões, e das tarifas de energia elétrica carregadas de bandeira vermelha não fica apenas nisso. Tende a disparar em toda a economia movimentos defensivos. Quem se atreve a reclamar com o fornecedor ouve de volta: “Mas a gasolina aumentou 39% em 12 meses, a conta de luz foi para onde foi…”. E o consumidor acaba pagando e, nesse sentido, acaba por sancionar a esticada de preços que pouco tem a ver com a cesta básica.
É o que explica o avanço do índice de difusão do IPCA em agosto para 72% contra o de 64% em julho. Esse número indica que 72% dos itens que compõem a cesta do custo de vida acusaram alta de preços em agosto.
A inflação no período de 12 meses terminado em agosto alcançou 9,68% (veja o gráfico). Essa proximidade de um índice de dois dígitos também funciona como mais um fator psicológico adverso.
É cedo para dizer que daqui a dois ou três meses a inflação recuará. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming, comentarista de economia)