O Estado de S. Paulo
O carro de som cruza as estradas de chão batido do interior de Tanguá, cidade pobre da região metropolitana do Rio, chamando a população para a vacinação contra a covid19. Na localidade de Tomascar, a mais distante do centro e onde inexiste sinal de celular, o sistema prosaico leva a informação aos moradores. Naquele dia do fim de agosto, a voz no alto-falante pedia que todos fossem à igreja, onde o “Busão da Vacina” ficaria até o fim da tarde.
Cedido pela Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, pelo Banco Internacional Alemão e pela Mercedes-Benz à Cruz Vermelha Brasileira (CVB), o ônibus que fica em Tanguá até o fim desta semana é um dos dois do grupo em atividade no Brasil. Antes de chegar ao Estado do Rio, o veículo passou por 16 cidades mineiras. O outro circula pelas regiões Norte e Nordeste do País.
Um dos desafios é vencer a hesitação vacinal – especialistas têm reforçado a segurança e a eficácia dos imunizantes. Enquanto a equipe do Estadão esteve no bairro rural e pobre de Posse dos Coutinhos, em Tanguá, só três pessoas apareceram. A cidade tem pouco mais de 30 mil habitantes.
“Eu tenho dois filhos: um só se vacinou porque trabalha na clínica, mas o outro trabalha em mercado e não quer”, contou a agricultora Claudete Alves da Rosa, de 58 anos. “Os dois não queriam se vacinar. Eu e meu marido somos vacinados, e a gente briga todos os dias com eles. Mas eles acham que sabem mais do que a gente.”
A agricultora disse que a resistência à vacina – dos filhos e, provavelmente, de vários outros – tem mais a ver com questões políticas. “Meus filhos são bolsonaristas, né”, disse ela. “São superbons de coração, trabalhadores, tudo. Mas estão hipnotizados. Já falei para eles que, se morrerem, o (presidente Jair) Bolsonaro nem sabe que existem.” O presidente, que poderia ter se vacinado desde abril, ainda não procurou a imunização. Na pandemia, espalhou informações falsas sobre a covid e ainda questionou a eficácia das vacinas.
No local isolado, quem foi se vacinar naquele dia buscava a 2ª dose – ou seja, eram pessoas com mais de 45 anos. Foi o caso de Claudete. “A vacina é muito, muito importante”, defendeu. “Quem não quer tomar não é por falta de informação, porque informação tem demais. É por ignorância.” Tanto o prefeito de Tanguá, Rodrigo Medeiros (PL), quanto profissionais da Cruz Vermelha dizem que vacinar jovens tem sido mais difícil.
“Muitos se negam a vacinar, porque alegam medo da reação à vacina, ou porque se consideram super-heróis, que não precisam se vacinar”, lamenta Bárbara Souto, coordenadora estadual das filiais da Cruz Vermelha no Rio.
O funcionamento e a circulação do Busão da Vacina dependem de uma ação colaborativa, que envolve diversas frentes. Presidente nacional da Cruz Vermelha, Julio Cals trata de assegurar as parcerias com as empresas e os Estados. Já as unidades estaduais cuidam de avaliar quais cidades serão mais ajudadas pela presença do ônibus.
Minas
Vinte e cinco dias nas estradas mineiras e uma experiência inesquecível de vida. É assim que a técnica de enfermagem Flávia Cristiane Alves, de 42 anos, vê sua participação no projeto: ela foi de voluntária a funcionária da Cruz Vermelha. “Viver uma pandemia é assustador. Mas, quando podemos levar o socorro e a tão sonhada vacina a pessoas de regiões carentes, levar esperança, acho que foi a maior satisfação da minha vida profissional”, disse.
Para ela, também foi importante convencer aqueles que pretendiam fugir do esquema de vacinação contra o vírus. “Teve um rapaz que veio ver o movimento e disse que não se vacinaria, de nada adiantaria aquilo e tal. Aí conversamos com ele, explicamos que não era assim. Ele foi embora e voltou, você acredita?”, contou Flávia. (O Estado de S. Paulo/Marcio Dolzan e Aline Reskalla)