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Faz alguns anos que entidades do setor vêm se posicionando a favor do fim do “Custo Brasil”. O termo é utilizado para explicar a alta carga tributária e o pesado custo de produção que acabam deixando carros e comerciais leves nacionais mais caros. Enquanto isso, na Argentina, um projeto de lei (PL) pretende conceder generosos benefícios fiscais à montadoras que fabricarem veículos em solo nacional. Caso a proposta seja aprovada, a indústria automotiva brasileira estará ameaçada?
O governo argentino enviou ao Congresso no último dia 18 a PL sobre Promoção de Investimentos na Indústria Automotiva. Entre os destaques, ela promove o reembolso antecipado do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), redução do Imposto de Renda, além de zerar as taxas de exportação até dezembro de 2031.
Por fim, o projeto visa criar o Instituto da Mobilidade. A entidade terá por objetivo promover um sistema produtivo sustentável por meio da parceria entre governo e instituições de apoio científico e tecnológico.
O presidente Alberto Fernández havia anunciado em março – quando por meio de decreto zerou a taxa de exportação para veículos – que levaria aos parlamentares um pacote de medidas para reaquecer a indústria automotiva. Desse modo, o benefício abrange somente novos modelos com níveis mínimos de conteúdo nacional e aquele cujas “plataformas são regionalmente exclusivas”. A proposta incluirá as fabricantes de automóveis, comerciais leves, ônibus, caminhões, motores e autopeças.
Portanto, para se beneficiar da PL, os projetos automotivos deverão ter, no mínimo, 15% de conteúdo feito em solo argentino durante os primeiros três anos. Entre o 3º e o 5º ano da vigência da lei, o nível de peças domésticas nesses produtos subirá para 20%. No caso de motores, esse percentual se manterá em 10% nos primeiros três anos e em 15% nos dois seguintes.
O pacote de mudanças promete reaquecer o setor, que foi extremamente prejudicado por conta da pandemia da Covid-19 e, anteriormente, pela crise econômica. No ano passado a produção veicular chegou a aproximadamente 269 mil unidades. Ou seja, quase um terço do recorde registrado em 2011, quando o volume anual chegou a 828 mil.
Com a volta do crescimento da economia, espera-se também uma amplificação nas vendas. Apenas 312 mil unidades foram comercializadas em 2020, quantidade bem abaixo dos 883 mil veículos licenciados em 2017.
Esse investimento afetará o Brasil?
Com incentivos no país vizinho, é normal que surja a preocupação com a indústria nacional, uma vez que ambas as nações fazem parte do Mercosul e importam uma série de automóveis entre si. Da Argentina, chegam por aqui picapes médias como a Toyota Hilux, Ford Ranger, Volkswagen Amarok e Nissan Frontier, além do Fiat Cronos e do Volkswagen Taos, por exemplo.
Para elencar alguns modelos, o Brasil exporta para a nação vizinha automóveis e picapes como o Volkswagen T-Cross (algumas versões), Fiat Toro e Strada, bem como os Toyota Corolla e Corolla Cross.
Na visão do economista Antônio Jorge Martins, especialista em gestão estratégica de empresas automotivas na Fundação Getúlio Vargas (FGV), o setor brasileiro poderá sentir os efeitos dos incentivos, mas a chance de montadoras saírem do país será praticamente nula. “O Brasil tem um mercado consumidor muito maior do que o argentino.”
Somado a isso, o automóvel é ainda mais inacessível à população de lá, efeito de seu baixo poder de compra. Mesmo em 2020, ano de pandemia, o volume de produção da indústria brasileira ficou em 2.014.055 unidades. Em 2019, o nível ficou próximo dos três milhões.
Vender para fora ou focar no mercado interno?
Ainda que as novas medidas procurem aumentar a venda para o mercado externo, “não tem como deslocar toda a produção para outro país só por conta da exportação”, alega Martins. Cabe enfatizar também que o polo industrial automotivo brasileiro é vasto e muito consolidado para ser deixado para trás.
Se considerarmos apenas as vendas para o exterior, o Brasil mandou para fora 324 mil veículos em 2020, queda de 24% contra os 428 mil registrados em 2019. Por sua vez, 137.891 unidades foram produzidas em 2020 na Argentina destinadas ao exterior.
O professor comenta que, em países emergentes, que geralmente enfrentam uma desvalorização da moeda nacional perante ao dólar, é vital investir na exportação como uma forma de minimizar as oscilações do mercado e a depreciação da moeda.
Mudanças ocorrerão a médio prazo
Para o país vizinho chegar ao patamar de um milhão de unidades produzidas, das quais metade serão destinadas à exportação, demandará certo tempo. Tanto é que as medidas apresentadas por Alberto Fernandez levarão até oito anos para serem concluídas. De acordo com a Associação das Fabricantes de Veículos Automotores (Adefa), espera-se que em até cinco anos seja possível duplicar as vendas para o exterior e os empregos diretos.
Na visão do especialista, é provável que aconteça um reaquecimento do setor na Argentina, mas isso não deve afetar o Brasil. “A tendência é de que haja uma complementariedade na produção entre os dois países”. O que poderá ocorrer é uma diluição em investimentos em um local ou em outro, dependendo da estratégia da fabricante, mas nada que venha prejudicar o polo automotivo nacional.
Preparação para o futuro do setor
A criação do Instituto da Mobilidade sugere também um incentivo para a indústria se preparar para as novidades do mercado. Martins aponta que o setor automotivo está cada vez mais competitivo e, para isso, as montadoras buscam por conteúdos que fogem à mecânica do carro.
Itens tecnológicos, tais como recursos de assistência ao motorista e centrais multimídia que conversam com outros eletrônicos são algumas das artimanhas usadas pelas grandes empresas para competirem umas com as outras. A Argentina, por sua vez, focará em unir polos de ciência e tecnologia com as fabricantes a fim de gerar produtos nacionais com alto nível de competitividade e valor agregado. (Portal G1/Emily Nery)