Jornal do Comércio-RS
A Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) retomou a pauta ambiental com um estudo sobre descarbonização no transporte apresentado na semana passada. O trabalho feito em parceria com a consultoria BCG apresenta três cenários, além das previsões de investimentos necessários até 2035.
É mais uma tentativa de mostrar ao governo os caminhos e as dificuldades do setor automotivo rumo à redução das emissões. O diálogo tem sido constante, mas pouco produtivo. Em todas as projeções feitas pela Anfavea, há destaque para carros eletrificados (conceito que abrange veículos híbridos e 100% elétricos).
No primeiro cenário, considerado inercial, os motores a combustão seguem dominantes pelos próximos 15 anos, com veículos eletrificados ainda restritos a alguns segmentos. Nessa simulação, 32% dos veículos leves vendidos em 2035 seriam eletrificados, percentual equivalente a 1,3 milhão de unidades pelos cálculos da Anfavea.
No segundo cenário, chamado “convergência global”, as montadoras seguiriam as estratégias definidas em outras regiões e haveria investimento na indústria nacional. Com isso, a participação dos modelos eletrificados nas vendas chegaria a 62% em 2035. Esses investimentos, estimados em R$ 50 bilhões, impactaria também os fornecedores e as redes concessionárias.
A Anfavea diz que essa realidade só será viável com investimento em infraestrutura. Seria necessário instalar 150 mil pontos de recarga, o que demandaria um aporte de R$ 14 bilhões.
Mais realista, o terceiro cenário considera o protagonismo dos biocombustíveis. A projeção considera um aumento de 15 pontos percentuais no uso do etanol, seja o hidratado disponível nas bombas ou o anidro, que é misturado à gasolina. O maior uso do combustível de origem vegetal permitiria reduzir em 12 milhões de toneladas de CO2 as emissões da frota circulante até 2035.
Esse é o caminho que deve ser adotado pelas montadoras que produzem carros compactos e médios. Os sistemas híbridos flex – com carros capazes de rodar com gasolina, etanol e eletricidade – devem se popularizar.
O estudo apresentado pela Anfavea mostra a preocupação com a agenda ESG, sigla que faz referência aos princípios ambientais, sociais e de governança corporativa. Segundo Luiz Carlos Moraes, presidente da entidade, os patamares previstos em quaisquer dos cenários implicam investimentos na indústria nacional.
“Eu não consigo imaginar que conseguiríamos atender a essa demanda só com importações, a indústria automotiva precisará entrar em um novo ciclo de investimentos, com adaptação de fábricas, adaptação de fornecedores e treinamento de redes concessionárias”, informa Moraes.
O executivo afirma ainda que será necessário reduzir a dependência de peças importadas, que geram problemas como a escassez de semicondutores. “Os veículos eletrificados usam ainda mais semicondutores, isso abre uma janela de oportunidade para a indústria nacional”.
Mas para que qualquer um dos cenários previstos se consolide nos próximos anos, serão necessários incentivos governamentais. Esse é um tema que vem sendo tratado com cautela pela Anfavea, que cita exemplos internacionais.
“Países avançados em eletrificação têm adotado políticas de estímulo, e a tributação não pode ser só para fins de arrecadação”, ressalta Moraes. “Na Europa, o pedágio é menor para veículos que adotam novas tecnologias”.
Por representar as montadoras instaladas no Brasil, a Anfavea precisa criar um ambiente propício para receber investimentos das matrizes e se tornar relevante no cenário internacional.
Segundo os dados apresentados, o país é o quarto maior mercado do mundo em caminhões e o oitavo em veículos leves, com base em números de 2019. A frota atual é composta por 45 milhões de veículos leves e 2 milhões de pesados. Juntos, consumiram 118 bilhões de litros de combustível em 2019, sendo 44% diesel e 32% gasolina. Pelos cálculos da consultoria BCG, o setor de transporte responde por 13% das emissões de CO2. (Jornal do Comércio-RS)