GM vê liderança do mercado mais longe

O Estado de S. Paulo

 

Após superar seu pior momento no País, quando a matriz cogitou, no início de 2019, a saída da marca da região, a General Motors passa por novo abalo, desta vez envolvendo queda drástica nos negócios. O problema não é falta de investimentos nem novos produtos, como ocorreu com a Ford, mas escassez de semicondutores para a produção, que levou o grupo a manter fechada a fábrica que produz seu campeão de vendas, o Onix, por quase cinco meses.

 

A planta de Gravataí (RS) volta a operar no dia 16 só com um turno de trabalho. Analistas acreditam que levará um bom tempo para a GM recuperar o mercado perdido este ano. Além disso, não há garantia de entrega regular de chips, o que está previsto pelo setor só para 2022.

 

O Onix representa cerca de 40% das vendas da marca, líder do mercado nos últimos cinco anos. Sem poder atender à demanda pelo carro até então mais vendido no País, a GM perdeu o pódio em janeiro e está em terceiro lugar no acumulado do ano, atrás de Fiat e Volkswagen.

 

A escassez do item eletrônico tem afetado a indústria automobilística do mundo todo. No Brasil, a maioria das marcas já teve de suspender a produção em vários períodos, mas a GM é a mais prejudicada. A empresa alega que o Onix tem cerca de mil semicondutores e sistemas integrados, até o dobro do que outros modelos da mesma categoria.

 

A falta de chips levou ao fechamento das outras fábricas do grupo, mas por menor período. Apesar desse quadro, que vai afetar ainda mais seus resultados financeiros, no vermelho desde 2016, a GM está bancando grande reforma na fábrica de São Caetano do Sul (SP) para a produção da nova picape Montana.

 

“Essa fábrica quase centenária vai poder competir com qualquer outra do mundo, em qualidade e eficiência”, diz Michel Malka, diretor executivo das plantas de São Caetano e de Mogi das Cruzes (ler mais abaixo).

 

Situação temporária

 

Há um ano, a fatia da GM nas vendas de automóveis e comerciais leves até julho era de 17,5%. Neste ano, despencou para 11,5%. Nos últimos três meses isolados, ficou na sétima posição, atrás também de Hyundai, Toyota, Jeep e Renault.

 

A Fiat tem conseguido driblar melhor seu abastecimento e ocupou a liderança ganhando pontos perdidos pela GM e outras marcas. Sua participação saltou de 14,4%, nos sete primeiros meses de 2020, para 22,9% das vendas neste ano. Para Paulo Cardamone, presidente da Bright Consulting, vai demorar para a GM recuperar a fatia perdida.

 

Ao Estadão, a GM diz que a situação é “pontual e temporária”. Afirma ter portfólio amplo de produtos recém-atualizados com avançadas tecnologias de eficiência energética, segurança e conectividade. A última grande novidade da marca foi o SUV Tracker, feito na fábrica de São Caetano desde o ano passado.

 

Jaime Ardila, sócio da consultoria Hawksbill Group, com sede nos EUA, avalia que a falta maior de chip para a GM e outras empresas “é resultado da estratégia das companhias de privilegiar veículos mais rentáveis nos EUA e na China, e deixar a América Latina com prioridade menor”. Para ele, a situação da GM brasileira é ruim, “mas sem dúvida é temporária e deve melhorar até o fim do ano”. Ardila já presidiu a montadora no Brasil e na América do Sul.

 

Cardamone também credita a situação a estratégias da matriz, que adquire os semicondutores (a maioria da Ásia) e os repassa às subsidiárias. “A matriz privilegia mercados mais rentáveis e estáveis, principalmente porque precisa de dinheiro para investir em eletrificação dos seus modelos.” Ele ressalta que manter uma fábrica parada por longo período custa caro. Mesmo sem produzir, é preciso fazer manutenção de robôs, equipamentos e pagar funcionários.

 

“O que está ocorrendo não é demérito da GM, mas do mercado, e não consigo vislumbrar reversão rápida”, diz Ricardo Bacellar, responsável pela área automotiva da KPMG do Brasil.

 

Sem cortes

 

Líderes dos trabalhadores das três fábricas de carros dizem que a GM não fala, no momento, em redução de mão de obra. Na planta de São José dos Campos (SP), única em operação, acredita-se até em criação do terceiro turno se a entrega de chips for normalizada, informa o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos, Renato Almeida. A empresa já contratou 450 temporários neste ano.

 

A fábrica de São Caetano, parada desde 26 de junho, retorna parcialmente no dia 26 com cerca de 2 mil funcionários, segundo Aparecido Inácio da Silva, presidente do sindicato. Ele lembra que, antes da crise, a empresa também estudava a volta do terceiro turno na unidade.

 

Valcir Ascari, líder do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, calcula que 1,2 mil funcionários voltarão à fábrica dia 16 para retomar a produção do Onix. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)