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A pandemia provocou diversos reveses às montadoras de veículos no Brasil e no mundo. Primeiro vieram paradas forçadas na produção e, mais recentemente, a escassez de componentes eletrônicos e matérias-primas vem ditando um ritmo mais lento de produção de automóveis globalmente.
Com isso, muitas montadoras vêm concentrando os recursos que têm nos veículos de maior rentabilidade, enquanto os carros mais baratos pararam de ser produzidos temporariamente, como o Chevrolet Onix, ou estão perdendo equipamentos, como o Volkswagen Fox, que deixou de sair da fábrica com central multimídia.
Outra consequência é que alguns modelos mais veteranos, mas com vendas relativamente baixas, tiveram o fim de sua história antecipado no Brasil. Apenas no primeiro semestre, mais de 10 carros já saíram de linha, alguns sem substitutos. Isso sem contar casos como o da Ford, que simplesmente deixou de fabricar no Brasil e, com isso, tirou de linha Ka e EcoSport, seus carros mais vendidos. Mas o que acontece quando um carro deixa de ser produzido?
Com exceção a carros de nicho, que se tornam clássicos ao saírem de linha, a primeira reação do mercado é a de desvalorizar os carros que foram descontinuados. Há incertezas quanto ao fornecimento de peças de reposição, que tende a ficar mais difícil e, em alguns casos, mais caro. Por conta disso, carros descontinuados tendem a ser preteridos pelo mercado de usados, levando seus valores de comercialização a caírem.
Pelo mesmo motivo, sua comercialização fica mais difícil, uma vez que menos pessoas estarão interessadas em adquirir um veículo que não está mais em fabricação. Em casos de carros com alto número de vendas ou com alto índice de compartilhamento de peças com outros modelos ainda em linha, esse efeito pode ser menor.
Sim, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Se você deu sinal para a compra de um veículo 0km que saiu de linha antes de ser entregue para você, é possível pedir o ressarcimento dos valores pagos junto às concessionárias, desistindo da compra. Foi o que aconteceu com o caso da Ford, onde houve a possibilidade de não se efetivar a aquisição de Ka, Ka Sedan e EcoSport, que deixaram de ser produzidos no início de 2021.
Essa é a grande questão que passa na cabeça de quem já comprou um carro que saiu de linha e não pretende vendê-lo imediatamente. E é uma grande “área cinzenta” legislativa. Não há nada que determine exatamente quanto tempo uma montadora deve fornecer peças de reposição para um veículo que deixou de ser fabricado.
O artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor diz apenas que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. Parágrafo único: Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”.
Apesar de haver uma crença de que as fábricas tenham um “acordo de cavalheiros” para o fornecimento das peças de carros descontinuados por até 10 anos, legalmente não há nada que force as montadoras a permanecerem produzindo os componentes por um tempo determinado. Em alguns casos, como no de um carro que vendeu bem, alguns fornecedores independentes podem até continuar fabricando os componentes, mas sem compromisso legal e, às vezes, sem a mesma qualidade das peças originais.
Apesar de a Ford ter sido um caso extremo, deixando de fabricar Ka, Ka Sedan e EcoSport de uma só vez com o fechamento das fábricas, o trio da marca do oval azul não é nem de longe um caso isolado. Como foi dito, carros que andavam com as vendas em baixas nos últimos anos foram cortados na medida que as montadoras precisaram concentrar os poucos componentes que ainda tinham e focaram nos modelos de maior rentabilidade. Apenas no primeiro semestre de 2021, isso aconteceu com 12 carros.
Foi o caso da Toyota. A linha Etios e Etios Sedan, que representavam a porta de entrada da marca japonesa em nosso mercado e foram descontinuados. A marca investiu no lançamento do SUV Corolla Cross, mais caro, o que demandou o espaço ocupado pela dupla mais barata na fábrica da empresa em Sorocaba (SP). Etios e Etios Sedan, porém, continuam sendo fabricados, mas apenas para exportação.
Outra montadora que tirou mais de um carro de linha em 2021 foi a Citroën. Ainda em franco processo de reestruturação após a formação da Stellantis, que uniu Fiat, Jeep, RAM, Peugeot e Citroën no Brasil, a marca francesa deixou de oferecer oficialmente o sedã C4 Lounge, o hatch C3 e a minivan Aircross, todos já veteranos no mercado.
Hoje, a marca concentra suas vendas apenas no SUV C4 Cactus. A empresa deve apresentar um novo modelo que irá substituir o C3 como carro de entrada na Citroën, mas já será um pequeno SUV.
A Volkswagen também deixou de fabricar o up! em 2021. O subcompacto chegou com a intenção de substituir o Gol. Trazendo bons predicados em segurança e consumo, o modelo nunca conseguiu o sucesso inicialmente pretendido por conta de o mercado o ter considerado muito pequeno.
A marca até tentou mantê-lo em linha, adaptando-o para a nova legislação que exigiu cintos de segurança de três pontos para todos os ocupantes, levando a capacidade do carro a cair de 5 para 4 ocupantes. No entanto, a escassez de componentes e os números baixos de venda o tiraram de produção.
Veterana no mercado, a Chevrolet Montana ainda usava a base do finado Agile, carro que, por sua vez, era um aprimoramento da plataforma encontrada no Celta, que já era um retrabalho do primeiro Corsa vendido no Brasil em 1994.
A picapinha sempre ficou para trás nas vendas de sua categoria e, com uma plataforma só dela, fazia pouco sentido continuar em linha. O nome pode voltar em breve, mas será uma picape maior para brigar com a Fiat Toro.
Falando em picapes, a Fiat também teve uma baixa em 2021. Com o lançamento da nova geração da Strada no ano passado, o modelo antigo continuou em linha como uma opção mais barata e robusta, voltada ao trabalho. O sucesso da nova geração, porém, fez com que a montadora tirasse a antiga Strada de produção.
Por último, o Nissan Sentra sempre encontrou dificuldades para encarar uma concorrência formada por ninguém menos que Toyota Corolla e Honda Civic no Brasil. Além disso, o segmento de sedãs médios está sendo canibalizado pelos SUVs compactos. Já com um bom tempo de mercado, o Sentra também não resistiu a 2021. (CNN Brasil Business/Thiago Moreno)