O Estado de S. Paulo
Os caminhoneiros ameaçam nova paralisação para arrancar do governo vantagens que superem o grave descasamento entre o preço do óleo diesel e o frete.
“Estamos pagando gás de cozinha, diesel e gasolina em dólar”, reclama Plínio Dias, presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas, que pretende deflagrar a paralisação a partir deste domingo.
Esse descasamento não acontece apenas no setor de cargas rodoviárias. O consumidor vem pagando em dólares por mais coisas que compõem o custo de vida – não só pelos combustíveis.
Isso vale para boa parte dos alimentos cujos produtos têm em suas bases derivados de commodities. Vale, por exemplo, para a carne de frango e para os ovos. Frangos e galinhas não passam hoje de soja e milho processados. É proteína vegetal transformada em proteína animal. Soja e milho são commodities cotadas em dólares pela Bolsa de Chicago. O mesmo pode-se dizer do petróleo, dos metais, dos fertilizantes, do trigo e de grande parte dos remédios, cujas cotações são definidas em moeda estrangeira.
Mas, se o produto é nacional e tem a maior parte de seus custos denominados em reais, por que o produto final tem de passar pelo câmbio e ter dólares como referência? Porque se não fosse assim, as distorções se multiplicariam. Se os preços não seguirem a paridade das importações, acabam os investimentos em refinarias. Se não puder vender nessa paridade no mercado interno, o produtor de carne de frango, de ovos e embutidos preferirá exportar. E o importador deixará de importar. Ou seja, uma das consequências será o colapso da oferta interna e dos investimentos.
Um pedaço do problema tem a ver com o aumento do consumo internacional que, neste momento, acompanha a recuperação da economia mundial, à medida que a pandemia começou a refluir. Ou seja, os preços sobem em consequência de uma procura maior do que a oferta. Mas outra parte importante tem a ver com a desvalorização cambial que atingiu o real, o que, por sua vez, é consequência de um aumento da procura de moeda estrangeira (ou redução da oferta), movimento relacionado com o avanço das incertezas e dos riscos da economia brasileira.
Do ponto de vista da teoria econômica, as relações de câmbio alteram a renda real. Quando há uma desvalorização cambial (alta do dólar) sempre há, também, uma redução real do salário, porque é preciso mais salário para pagar o mesmo volume de mercadoria.
Se a decisão do governo é intervir e tentar acabar com esse descasamento, seria inevitável pagar parte da conta do assalariado. Isso aí seria criar um subsídio para o consumidor que, entre outras consequências, aumentaria as despesas públicas e a dívida.
No caso dos combustíveis, não são apenas os caminhoneiros que estão enfrentando o problema. Também estão as empresas de ônibus, os taxistas, os condutores de Uber, os entregadores, os motoqueiros, todos os que rodam em veículo próprio e, também, os consumidores de energia elétrica, por conta do acionamento das térmicas a óleo ou a gás. Por isso é que não bastaria “ajustar” o frete.
Como se viu, não basta trocar o presidente da Petrobrás. Se os reajustes dos preços dos combustíveis ficam mais espaçados, como agora, a pancada pode ficar maior, como foi a última.
Além disso, os combustíveis são uma árvore de Natal carregada de impostos. O mais alto é o ICMS cobrado pelos Estados. Ninguém pense que os governadores estão dispostos a reduzir sua parte nesse festival arrecadatório.
E, atenção, alguns analistas do mercado de petróleo estão prevendo novo forte avanço dos preços, hoje por volta dos US$ 70 por barril de petróleo (de 159 litros), para a casa dos US$ 100, o que daria uma alta de 43% em dólares. (O Estado de S. Paulo/Celso Ming)