O Estado de S. Paulo
Na casa da executiva Vanessa Castanho, é ela quem comanda a churrasqueira. Embora essa seja uma tarefa, normalmente, atribuída a homens, Castanho informa que churrasco sempre foi uma tradição em sua família, ao contrário do que ocorria na família de seu marido. Além da churrasqueira, Castanho também controla as operações da Citroën na América do Sul. Em sua primeira entrevista após assumir o cargo, a paulistana do bairro de Moema deixou claro que sua meta é elevar as vendas da marca francesa. A Citroën tem apenas um carro de passeio (o SUV C4 Cactus) e cerca de 1% de mercado. Embora não tenha dado detalhes de como pretende alcançar o objetivo, ela adianta que está finalizando um plano de ações, para os próximos quatro anos, que prevê novos produtos e expansão da rede de concessionárias (rumores dão como certo o novo SUV baseado no C3, ainda neste semestre).
Outro objetivo da executiva é “colocar o C4 Cactus no lugar em que ele merece estar”. A propósito, no mesmo dia da entrevista, feita remotamente no início de julho, a empresa informou ter vendido 5.100 unidades do SUV no segundo trimestre do ano, alta de 131% sobre o primeiro trimestre (2.200 veículos). Mesmo assim, na categoria, ele ocupa a nona posição do segmento. Em conjunto com o utilitário Jumpy, os emplacamentos dobraram do primeiro para o segundo trimestre, indo de 3.060 para 6.100 unidades. É um alento, mas a situação ainda requer muito trabalho da única mulher à frente de uma fabricante de automóveis no Brasil.
Após 24 anos na Renault, nas áreas de vendas, marketing, publicidade, relações governamentais e ESG (meio ambiente, social e governança), ela fala sobre expectativas, desafios e oportunidades, e como faz para equilibrar trabalho com vida pessoal. “Quero colocar toda minha bagagem profissional à disposição da Citroën. É algo bem desafiador, mas muito factível.”
Quais oportunidades e desafios que você tem pela frente?
Vanessa Castanho: O primeiro foi montar o time, e acho que me dei superbem, porque conseguimos montar uma equipe de gestão para a América do Sul com bastante diversidade. Ela tem 50% de mulheres e 50% de homens, de diversas nacionalidades e gerações. A gente sabe que, quanto mais diverso o time, mais criativo e rentável ele é.
Depois, quero colocar o C4 Cactus onde ele merece. É um produto incrível e pouco conhecido do brasileiro, apesar de superpremiado. Estamos finalizando um plano estratégico para os próximos quatro anos. Um dos primeiros desafios é o de crescer o market share do carro, como a gente tem feito, mas, principalmente, dar visibilidade a ele.
Tenho certeza de que, quanto mais os brasileiros forem conhecendo o carro, mais eles vão se apaixonar. Até a metade do ano que vem, temos a meta de aumentar a rede de concessionárias de 120 para 180 pontos de venda.
Com tudo isso, dá para conciliar trabalho e vida pessoal? O que faz nas horas vagas?
Castanho: Quando a gente se envolve com um desafio tão legal e objetivos tão desafiadores, acaba misturando vida profissional com pessoal, porque está pensando em como fazer melhor. Mas sempre sobra tempo livre, sim. Adoro andar com meu cachorro, o Lion, um golden retriever. Sou louca por bicho, natureza, planta. É minha forma de conseguir equilíbrio para o dia a dia, de business, estratégia, gestão. Também procuro meditar, e adoro cozinhar. Faço doce, massa, carne… Em casa, quem faz churrasco sou eu, não meu marido.
Qual é sua relação com carro? Gosta de dirigir?
Castanho: Eu gosto de dirigir em estrada, num dia de sol, numa serra, com curvas. Carro é muito mais que meio de transporte, é seu cúmplice em sua jornada, tem de refletir sua personalidade, facilitar a vida. Por isso, na Citroën, a gente escuta muito as pesquisas. Temos de buscar a expectativa do cliente. A gente tem que pensar: o que eu gostaria como cliente? Todo mundo gosta de ser bem atendido, de ter facilidade, conforto. Quando estou dentro de um carro, é isso o que me inspira. O prazer de dirigir é muito mais que velocidade. É o conjunto da obra.
Ao longo da carreira, você se deparou com discriminação por ser mulher?
Castanho: Não diria discriminação, mas existe um comportamento de um modelo da sociedade em que fomos criados. Eu mesma tenho vários comportamentos que, posso dizer, são machistas, porque refletem a sociedade em que fui criada. Você enxerga, sim, mas nunca deixei que isso fosse um limitador. Você olha para alguns comportamentos que gostaria que fossem diferentes, mas não para por causa disso.
Tem de aprender a lidar, e não deixar que isso tire você do seu foco. Atrapalha? Sim, atrapalha. Mas, dia após dia, a gente vê uma mudança importante. É um caminho que a gente tem de trilhar, diariamente. Inclusive avaliando as nossas atitudes, porque esses modelos mentais estão enraizados na sociedade em que cresci, e que eu julgava natural, e, hoje, a gente vê que não é nem um pouco natural. Se cada um de nós prestar atenção aos nossos comportamentos em relação à diversidade, tenho certeza de que a gente vai melhorar o caminho, não só para as mulheres mas para todo e qualquer tipo de diversidade, que precisa existir de forma transparente e aberta, sem rótulos e sem preconceitos.
A Citroën sempre se caracterizou por trazer inovações, mas, com o tempo, isso se perdeu. Hoje, é uma marca a mais. Existe algum plano de mudar?
Castanho: A marca “fala” de duas formas: como ela se comporta e por meio dos produtos. O Ami (microcarro elétrico vendido na Europa) simboliza justamente essa revolução da marca, criatividade, inovação, e tudo o que a gente diz sobre a Citroën. Lá no começo, ela teve muitas disrupturas, e acho que continuou fazendo. Temos de trazer isso ao Brasil.
A gente ficou um período com escassez de lançamentos, mas a marca, em si, não parou. Ela continuou inovando em várias linhas. A campanha do Ami é superprovocativa. Ela diz: “Será que o designer desse veículo foi mandado embora?” Brincar com a gente mesmo é supersimpático. Mas concordo em gênero, número e grau com você. A gente tem de mostrar mais a cara da Citroën para os clientes brasileiros.
A Citroën está na faixa de 1% de mercado. O que você almeja para a marca?
Castanho: Em janeiro e fevereiro, nossa participação era de 0,5%, e fechamos junho com 1,5%. Então, a gente triplicou o que fazia no início do ano. Se pegarmos o primeiro com o segundo trimestre, dobramos o market share. Com os planos, a gente tem ambição de crescer. Não posso dizer quanto, mas é nessa tendência. (O Estado de S. Paulo/Hairton Ponciano Voz)