Nos primórdios da indústria, até em carros novos surgia ferrugem

O Estado de S. Paulo/Caderno Mobilidade

 

Final dos anos 1950. Brasília, que seria inaugurada dentro de poucos meses como a nova capital do País, ainda era um empoeirado canteiro de obras no meio do Cerrado brasileiro, quando o presidente Juscelino Kubitschek (1902–1976) veio a São Paulo para inaugurar, oficialmente, a fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo. No dia 18 de novembro de 1959, ele desfilou em pé em um Fusca conversível, feito especialmente para a ocasião, em um dos capítulos iniciais da indústria automobilística nacional. Apesar da solenidade oficial, na prática, a Volkswagen já produzia a Kombi nas novas instalações desde 1957, e o Sedan – que só mais tarde viria a ser popularmente conhecido como Fusca – já era montado desde o começo de 1959.

 

Mesmo não tendo sido o primeiro automóvel nacional, o Fusca acabou se tornando o maior protagonista entre os automóveis produzidos no Brasil ao menos pelas duas décadas seguintes. E não exatamente por causa de avanços técnicos. Numa época em que o termo tecnologia ainda não fazia parte do vocabulário automotivo, o importante era ter capacidade para andar em qualquer tipo de terreno. “Não existia tecnologia”, atesta o jornalista Luiz Carlos Secco, um dos pioneiros na cobertura do setor automotivo no Brasil. No início dos anos 70, Secco lembra que os carros tinham pneus diagonais (menos estáveis que os radiais, que viriam mais tarde). Nem mesmo os automóveis dos executivos das montadoras eram equipados com ar-condicionado, e uma das preocupações da época era o surgimento precoce de ferrugem, até em carros novos.

 

Jornal da Tarde, do Grupo Estado, ele diz que, recentemente, se surpreendeu quando, numa noite chuvosa, seu carro freou automaticamente ao detectar uma moto parada à frente, que ele não havia percebido devido à baixa visibilidade.

 

Voltando ao Fusca do começo dos anos 60, com tração traseira e refrigeração a ar, o projeto alemão adaptou-se perfeitamente às precárias condições de piso do País. Somem-se a isso a robustez mecânica e a manutenção barata, e o modelo transformou-se rapidamente em sucesso comercial: ele foi o automóvel mais vendido por 24 anos consecutivos, entre 1959 e 1982.

 

Pioneirismo polêmico 

 

Antes do Fusca, a produção de carros no Brasil começou com menos pompa e mais polêmica. Em 1956, as Indústrias Romi, de Santa Bárbara d’oeste, no interior de São Paulo, lançou o Romi-isetta, versão brasileira do minicarro Isetta italiano. Seria o pontapé inicial da fabricação de automóveis no Brasil, a não ser por um detalhe: para ser considerado “carro”, eram necessárias ao menos duas portas. E o pequeno Romi-isetta, de 2,27 metros de comprimento, tinha apenas um acesso, feito pela frente, e não pela lateral do veículo. Talvez fosse muita excentricidade para um carro (ou “não carro”) só. Por isso, na maioria das referências sobre a produção de automóveis no País, o pioneirismo é creditado à perua DKW Vemaguet, que chegou no mesmo ano, com duas portas e que soltava uma coluna de fumaça nas ruas, graças a seu motor a dois tempos.

 

A indústria de automóveis nacional, que completa 65 anos em 2021, nasceu e se desenvolveu tendo como receita básica a adaptação de automóveis estrangeiros às características do País. Como “adaptação”, em muitos casos entenda-se simplificação, principalmente no que se refere à segurança e emissão de poluentes. Por outro lado, há também receitas bem-sucedidas, sendo o carro a álcool, provavelmente, a principal delas.

 

A crise do petróleo de 1973 aumentou a preocupação com consumo de gasolina e forçou a indústria a buscar alternativas. Nascia a era dos carros menores, mais leves e econômicos.

 

Em 1975, o governo lançou o Programa Nacional do Álcool, Proálcool, para incentivar o uso do combustível derivado da cana-de-açúcar. Quatro anos depois, em 1979, a Fiat apresenta o primeiro veículo movido 100% a combustível renovável, o compacto 147. Conhecido como “Cachacinha”, o 147 a álcool veio apenas três anos após a inauguração da fábrica da Fiat em Betim (MG), em 1976.

 

Nos anos seguintes, as montadoras passaram a oferecer o mesmo carro com as duas opções de combustível: ou com motor 100% a gasolina ou 100% a álcool. A medida mostrou-se antieconômica para a fabricação em duplicata do mesmo carro e nada prática para o consumidor, que ficava refém de um dos combustíveis. A solução definitiva – e que, mais uma vez, faria os olhos do mundo se voltarem para o Brasil – viria bem mais tarde, em 2003, com a chegada do primeiro carro flex, o Volkswagen Gol.

 

Atrasos

 

Se o uso em larga escala do combustível menos poluente representou uma vanguarda da engenharia brasileira, em outras áreas o Brasil quase sempre esteve atrás dos países desenvolvidos.

 

A injeção eletrônica de combustível, por exemplo, começou a ser utilizada por empresas como Mercedes-Benz e Chrysler ainda nos anos 50, mas aqui ela estreou apenas em 1989, sob o capô do Volkswagen Gol GTI.

 

Já o airbag passou a equipar um carro nacional (o Fiat Tipo) somente em 1996, embora, na década de 70, a Mercedes (Classe S) e a Oldsmobile (Toronado) oferecessem o item de segurança. Quanto aos freios ABS, eles chegaram ao Brasil em 1991, com o Volkswagen Santana, 13 anos após a estreia no Mercedes Classe S. (O Estado de S. Paulo/Caderno Mobilidade)