Indústria de ponta retrocede no Brasil

O Estado de S. Paulo

 

A indústria de transformação brasileira passa por uma desidratação cada vez mais acentuada que atinge, principalmente, o grupo de bens de consumo duráveis e bens de capital. Em uma década, a participação das empresas de produtos de alta e média tecnologia, como itens de informática e veículos, recuou de 23,8% para 18,7% no setor industrial. O segmento é o mais dinâmico da economia por investir em pesquisa e desenvolvimento e gerar empregos mais qualificados.

 

Menos complexos e menos intensivos em inovações, fabricantes de bens tradicionais, como alimentos e bebidas, ampliaram sua fatia de 25,6% para 35%. Bens intermediários, como madeira, celulose e papel, também perderam participação, de 49,3% para 44,4%. “É como se a indústria estivesse andando para trás em termos de composição”, afirma Renato da Fonseca, economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

Novo estudo da entidade mostra que, apesar de elevado em relação a vários outros países, o grau de diversificação da indústria brasileira vem diminuindo e se concentrando no setor de bens não duráveis e semiduráveis. A CNI avaliou o período 2008 a 2018, com base na mais recente Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE.

 

Para Fonseca, o Brasil está perdendo a indústria que tem maior capacidade de puxar outros setores, por ter longa cadeia produtiva. “Não podemos abrir mão da indústria que contribui com maior crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Precisamos dela para acelerar o crescimento e reduzir os níveis de pobreza e de desigualdade nas regiões brasileiras.”

 

Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), diz que, quando forem contabilizados os dados de 2019 e 2020, a situação deverá ser ainda pior, pois o Brasil passa por uma desindustrialização ou “primarização da indústria”, acentuada na crise de 2014.

 

Além de perder indústrias, setores do início da cadeia produtiva, geralmente associados à extração mineral ou à produção agrícola, sem muito valor agregado, ganham espaço, em parte por causa do aumento de preços das commodities.

 

São ramos com maior dificuldade de difundir crescimento, pois têm menos serviços conexos e menos elos entre cadeias produtivas. “Todas as atividades podem ter ganhos de produtividade, mas a vantagem para um dinamismo maior está nos ramos de maior intensidade tecnológica, ligados aos bens de capital e de consumo duráveis”, diz Cagnin.

 

Cadeia produtiva

 

Um exemplo citado por Fonseca é a indústria automobilística, com ampla cadeia produtiva que reúne um conjunto de insumos diversificados. “Quando esses ramos crescem, tendem a puxar número maior de atividades.”

 

A fatia que mais encolheu foi a de veículos automotores – em dez anos, de 10,8% para 7,4%. A que mais cresceu foi a de alimentos, de 10,3% para 18%.

 

Fonseca afirma que o País precisa de todos os setores, mas aponta diferenças entre eles no PIB. Na última década, o setor agropecuário cresceu, em média, 3,5% ao ano. A economia como um todo cresceu de 0,1% a 0,3%, em média, porque a indústria de transformação caiu 1,6% ao ano no período. Os dados confirmam que o agronegócio, sozinho, não consegue estimular a economia.

 

Em sua avaliação, a perda nos setores mais dinâmicos ocorre em razão do chamado custo Brasil. “Eles sofrem mais o impacto da tributação ao longo da cadeia, assim como a ineficiência de transporte, de serviços, custo de energia e a burocracia que atinge todas as etapas produtivas”, diz. “Com isso, esses setores não conseguem ganhar competitividade mesmo tendo uma fábrica top, porque seu produto é mais caro do que o dos concorrentes internacionais.”

 

A forma de reverter esse quadro e retomar a agenda da inovação, na visão da CNI, é com políticas horizontais que atinjam todos os setores, ou seja, o antigo discurso de redução de custos, menos burocracia, sistema tributário com alíquotas iguais sem favorecer um setor ou outro e um comércio exterior integrado com o mundo. A ideia é seguir o que fizeram EUA, Alemanha, Japão, Coreia, Reino Unido, que apoiam a produção que gera ganho à sociedade como um todo, com políticas de financiamento e inovação. (O Estado de S. Paulo/Cleide Silva)